16 fevereiro 2010

nas nuvens

Não acredito em almas gémeas, acredito em pessoas que nos levam ao limite.
A teoria da laranja que se separou em duas metades no início dos tempos, espremida não dá nada. E quem anda à procura da sua metade, perde o seu tempo.

Creio numa outra estória, aquela que nos conta que numa outra era, sem telemóveis, nem facebooks, nem caneta para escrever, o mundo se fez de nuvens, e era só um céu.
E Deus - ou os deuses, ou os anjos, sei lá - meteu-nos em nuvens como gotas que juntas nunca cairiam e se mantinham unidas.

Nesse dia, Ele achou que a obra era boa e pensou cada nuvem como uma conjunção de gotas, cuja química teria mais tarde os seus frutos, quando fosse preciso as gotas cairem na terra e irrigá-la.

Um dia, quando o mundo não era só céu, e havia terra e lama, e árvores e cavernas, as gotas começaram a cair e separaram-se.

E fomos todos amantes, e filhos, e pais, e mães, e patrões, e empregados, e inimigos, polícias e ladrões, putas e santos. Cruzámo-nos com gotas de outras nuvens, copulámos e odiámo-nos, e com essas gotas nunca fomos felizes, porque essas gotas não nos faziam ir ao limite, foram apenas células que roçámos para o nosso crescimento.

Pelo meio dos tempos, felizmente, também nos cruzámos com as gotas da nossa nuvem. E foram essas que nos deixaram marca. São essas que trazemos connosco hoje e que vamos atraindo com a nossa energia.

Irritam-nos. Afagam-nos. Magoam-nos. Amam-nos. Desprezam-nos. Veneram-nos. Fazem-nos rir. Fazem-nos chorar. Não acredito em almas gémeas, acredito em pessoas que nos levam ao limite.

São essas que agora estamos a conhecer todos os dias. Deus achou que era boa ideia finalmente começarem a encontrar-se todas de novo. Ele lá sabe. Só que agora já não vivemos nas nuvens. O céu é cá em baixo e mora ao lado do inferno. Porque trazemos mágoas e culpas, desejos, crimes, angústias e vazios.

Amigos, amantes, namorados, patrões, colegas de trabalho, sem falar na família em que nascemos, todos os dias encontramos mais uma gota que nos aproxima da nossa nuvem. Como saber?

Irritam-nos. Afagam-nos. Magoam-nos. Amam-nos. Desprezam-nos. Veneram-nos. Fazem-nos rir. Fazem-nos chorar. Não acredito em almas gémeas, acredito em pessoas que nos levam ao limite.

A prova está no olhar e quando sentimos uma atracção imediata, fatal, que vem de dentro, como se todas as nossas células quisessem desde sempre encontrar-se com essa pessoa. Para que nos faça ser tudo o que devíamos ser desde sempre. São desafios, e às vezes até nos podem fazer passar vergonhas, fazer-nos sentir fracos, para no fim sermos maiores.
E acontece a toda a hora, nas situações mais improváveis e quando menos se espera.

As nuvens começam a formar-se novamente no céu.
Talvez, então, percebamos que não há duas almas gémeas. Há muitas almas gémeas, filhas da mesma nuvem. Algumas cumprem um destino romântico, outras um destino profissional, muitas já são famílias, muitas hão-de ser amigas. Na mesma nuvem cabem o amor, a amizade, o desespero, a esperança, as lágrimas, os risos e os disparates. Na mesma nuvem estamos em sintonia e ninguém se vai despegar até ao fim destes tempos. Deve haver uma razão.

14 fevereiro 2010

post's retroactivos... 2

Já começou o dia mais piroso do ano...
... Soltem as rosas, levem-na a jantar, arranjem o cabelo, maquilhem-se, ponham a gravata nova, aspirem o carro, saiam mais cedo do trabalho, escolham bem a lingerie, não se esqueçam da depilação, façam a barba três vezes, lavem os dentes de cinco em cinco minutos, troquem surpresas...Ao oitavo dia, S. Valentim exigiu, em sua honra, o sacrifício do bom gosto e da espontaneidade no amor. E Deus, que estava cansado porque tinha criado o mundo, concedeu-o para não ter de se chatear com o raio do santo. Há quem goste.
Fevereiro 2005

conversa de búzios
- As mulheres são como o mar. Perigosas. Tenho-lhes muito respeito. E tenho muito respeito ao mar...
E assim acabou mais um telefonema.
PS - O respeito é bonito. O medo é perda de tempo.
Abril de 2006

Perguntas com resposta, mas sem solução
- Quando é que o amor por ele/a devia morrer?
Quando ele/a nos faz chorar a primeira vez.
- Quando é que o amor morre?
Nunca. O verdadeiro.
- Quando é que uma relação devia acabar?
De preferência antes do amor acabar.
- Complicado?
Sempre.
Fevereiro 2005

Na cama com...
... no sofá, no carro, no chão, na cozinha, no escritório, na relva... O sexo não escolhe locais e não exige colchão. Isso já todos sabemos há muito tempo e quem não sabe vê nos filmes. Por isso, não percebo porque é que se diz que se dormiu com alguém. Dormiu?! Será uma maneira de romantizar a coisa? Mas a coisa não valerá por si só? Cabe na cabeça de alguém dizer que fulano anda a dormir com sicrana, quando na realidade eles amassam-se nas escadas da empresa? Ou que dois beltranos que se encontram à hora de almoço no hotel andam a dormir juntos? Bem esperta foi uma adolescente que eu conheço responder à avó "Eu, avó?! Eu não durmo com o meu namorado! A avó não tem confiança em mim?". Engasguei-me à mesa e tive de conter o riso. A safadinha até me lançou uma piscadela de olhos... A nova geração é muito mais esperta.
Novembro 2004

post's retroactivos... 1

Hoje, dia que chamam dos namorados, resolvi reflectir sobre o amor. E resolvi também rever algumas coisas que escrevi num blogue que tive há uns anos, na descoberta da blogosfera, e que se chamava Código de Santiago. A idade também nos traz isto: revermo-nos à distância de uns anos e perceber que nos traduzimos na soma das nossas "vidas passadas". Os códigos mudam quando mudam as nossas residências interiores. Algumas coisas que escrevi ainda vivem comigo, outras não passam da memória de um apeadeiro onde me sentei por um tempo.

Aqui vai um dos antigos:

Homens temporariamente sós
A vida não está fácil para os homens trintões. Tenho uma série de amigos que vivem sós, com existências intercaladas por encontros sexuais fugazes e relações que deixam mágoas e conduzem a um ateísmo amoroso de que não há memória. No outro dia um deles desabafou: O que raio querem as mulheres? Eu, que tenho sempre qualquer coisa a dizer, fiquei sem resposta. Nem as mulheres sabem o que querem! Essa é a verdade. Ou, pelo menos, não sabem o que querem sempre... Umas vezes queremos umas coisas, outras vezes o contrário dessas... A única resposta cabal que ouvi nos últimos tempos foi somente esta: Gosto de um homem que me faça rir todos os dias! Sinceramente não a compreendi... Mas isso fica para outro post. Ontem disse a outro amigo (que acredita que um amor a sério nunca se repete e que a oportunidade dele já passou) uma coisa verdadeiramente estúpida: Os homens não podem tratar as mulheres bem demais... Que grande parvoíce esta. Nem sei o que queria dizer com isto. Só sei que mais cedo ou mais tarde, a maioria dos meus amigos trintões sós vai acabar por casar com alguém que está à mão de preencher um vazio, compôr a casa, constituir família, etc, sem glória, sem paixão, e sem um pingo de desilusão sequer... Aquela que sempre advém de um grande amor!
Junho 2004

o amor é

O amor é como o IRS, está cheio de deduções e de abatimentos. Mas quando chega o reembolso, sentimos que valeu a pena fazer os descontos, pagar os IVA's e fazer a retenção na fonte. Quanto mais se investe, mais se recebe. E depois de receber, voltamos a queixar-nos do quanto descontamos... e do trabalho que dá. Assim é o amor. Não consta que desapareça. Nem o amor, nem o IRS.

12 fevereiro 2010

mentira

Quando alguém inventa uma mentira está a dizer-nos uma grande verdade. São essas mentiras as mais doces, o reverso da nossa identidade. Deviam vender-se em frasquinhos, para tomar numa emergência social; aquelas situações em que mais vale ser mentiroso do que parecer verdadeiro. E a diferença entre inventar uma mentira e dizer uma mentira é a mesma que vai entre sobreviver e rastejar. É a diferença entre os audazes e os vermes.

melhor

Compensa sempre sempre ser melhor. Melhor do que imaginamos ser.
O telefonista que tem uma profissão de merda a passar chamadas ao Dr. x, à tia do outro, à prima que conseguiu o emprego na câmara por cunha (e nem por isso será necessariamente má profissional, we never know). A empregada de balcão que sofre a vender soutiens que levantem as mamas à la Maxmen, enclausurada num centro comercial com luzes castradoras que tiram a aura a um anjo de alto calibre. O pobre do funcionário dos serviços de limpeza municipais, que limpa a porcaria das beatas que entopem as sarjetas no Bairro Alto (alguém imagina o trabalho que dá tirar essas beatas?). A mulher-a-dias que saca os preservativos do chão e usa uma picareta para decapar a comida dos pratos de há três dias, resultado de uma jantarada de amigos que beberam vinho a mais e fumaram umas cenas depois das 2 da manhã... E ainda assim ser melhor compensa. Quem se supera, nem que seja a vender bolas de berlim na praia, há-de ser sempre melhor que si mesmo, e assim melhor que toda a gente. Há-de ser melhor que todos os "executive" qualquer coisa em estrangeiro. Há-de ser melhor que os 400 ou 500 euros que ganha. Há-de ser melhor que o rendimento mínimo ou de reinserção, como se diz agora. Há-de ser melhor se quiser ser melhor.
Alguém há-de reparar quando ouvir uma voz simpática do outro lado do telefone, sem sonhar que essa voz caminhará até ao Metro para daí a umas horas fazer o jantar de salsichas para os filhos: há-de reparar no chão limpo e na louça arrumada, sem imaginar que essas mãos irão cuidar do marido, da sogra, dos netos, com carinho e abnegação pessoal; há-de notar que as ruas estão mais limpas, sem vislumbrar os olhos que depois de escrutinar as beatas nas sarjetas vão ler livros que contam estórias de outras ruas e de outras cidades; há-de reparar que alguém conseguiu dar boa forma às suas mamas (e se isso é importante, ou a Ophra não teria dedicado um programa inteiro à importância da escolha de um bom soutien), sem saber que essa empregada de balcão provavelmente não terá homem que lhe ligue.
Compensa sempre ser melhor porque alguém um dia há-de reparar. Compensa sempre ser melhor, onde quer que se esteja, porque a melhor competição é a que travamos connosco. Por muito miserável que seja a vida e este país.