24 setembro 2009

a menina dos fósforos

Disseram-me que as pessoas dividem-se em dois tipos: os fósforos e as velas.
Disseram-me também para preferir a chama constante de uma vela, ao clarão fugaz de um fósforo.
Tenho um problema: gosto de fósforos e de velas.

O acto de acender um fósforo, aquele som do raspar, o cheiro, o poder de dar à luz com um simples gesto, ainda por cima baratinho, dá-me prazer. Não se brinca com o fogo, ralhavam os meus pais. E ainda me ralham. Porque eu gosto muito das pessoas fósforo. Incendeiam e incendeiam-me. É um problema.

A presença de uma vela encanta-me. À média luz pode não se ver a comida que se tem à mesa para jantar e confundirmos a realidade inebriados pelo "ambiance", como diz a F.
Mas as velas ardem até ao fim, como escreve Sándor Márai na sua obra-prima.

As pessoas que são velas são constantes. Têm sempre os mesmos pés, apesar de caminharem em direcções várias; têm sempre a mesma cara, mesmo que assumam diferentes faces perante as vidas que vivem; não escondem a alma, ainda que vivam incoerentes.
As pessoas que são velas têm sempre o coração do lado esquerdo, seja ele calhau ou diamante.

Gosto das pessoas fósforo e gosto das pessoas vela. Gosto de pensar que ardem umas com as outras e que todos os fósforos podem um dia acender a vela que há na gaveta lá de casa para quando falta a electricidade. Quando um dia lhes vier à lembrança a luz da alma.

2 comentários:

Lolita disse...

Tens razão: sou vela e fósforo! ;-)

Assim Falava Zaratustra disse...

O ente que replica
acções do quotidiano
por ofício,
é necessário e necessitado.
Experimentou ou experimenta
tempos criativos
antes do tédio.
Mas...
quem nasceu fósforo e palha,
anseia urgentemente
desenlear-se do quotidiano,
ser artista
antes que caia o pano.

(W.P. Amorim, inédito - poeta brasileiro)

p.s.: ainda estou à espera do convite para o facebook.