29 outubro 2009

os meus amigos são melhores que os da vizinha

Há uns tempos, uma das minhas melhores amigas, a G., disse-me que já não tinha espaço dentro dela para fazer mais amigos, ou pelo menos amigos à séria, daqueles a quem temos de dar atenção a valer, ter linha aberta 24 horas, acompanhar nos bons e nos maus momentos. Ela acha mesmo que não consegue dar tempo de qualidade a mais ninguém e prefere manter em bom estado as amizades que tem.

Eu e a minha amiga somos muito diferentes nesse aspecto. E assim mesmo gostamos muito uma da outra. Sobretudo porque não há cobranças de tempo e atenção entre nós.

Mas a declaração dela chocou-me um bocadinho, porque, apaixonada por pessoas como sou, sempre que conheço alguém que vale a pena e as nossas almas se cruzam, zás... é meu amigo. É raro, sobretudo depois dos 30, isso acontecer. Por isso me sinto privilegiada.

Na minha geração as "amizades" vão adquirindo variações que roçam o interesse profissional (ainda que não interesseiro), os amigos de infância perderam-se em caminhos díspares, os de faculdade servem-se apenas nos jantares de turma, os do trabalho não passam disso mesmo, e há os que casaram e morreram para a vida. É triste. Mas eu sou, reconheço, feliz nas amizades.

Vieram se calhar as redes sociais e os blogues, com todos os prós e contras já muito evocados em várias sedes, contrariar isso, oferecendo novas formas de encontro e partilha. E há sempre, pelo menos entre os portugueses, o hábito de sentar à mesa e pôr a conversa em dia, mesmo que depois da sobremesa ou de uns copos estejam todos mais uns meses sem se verem.

No fundo, quando as pessoas se querem bem não há regras para a amizade. A amizade pode sobreviver na intermitência dos contactos, nos sobressaltos das várias fases profissionais e pessoais porque todos passamos, no desacerto dos nossos timings.

Há apenas um sinal que é preciso entender para saber se estamos em presença de um amigo ou de um conhecido:
Não importa à quanto tempo não estamos juntos, se quando nos revemos os olhos brilham e o coração se enche de felicidade. E depois vem aquele abraço. É de amigo.

17 outubro 2009

o cavalo certo

A minha amiga G. tem uma mania que nos lambuza a boca sempre que a abrimos para as nossas intermináveis conversas, chama-se "situação limite".

Quando menos se espera, em quase todos os nossos encontros, lá vem ela: "situação limite... se só pudéssemos comer uma coisa até ao final da vida, o que escolhiam? Se só pudéssemos vestir uma cor qual seria? Se só pudéssemos ouvir uma música qual seria?" E por aí fora, até bater em todas as traves.

Já não sei porque voltas andei, hoje fui dar à brincadeira preferida da G. Se os homens só pudessem ter uma qualidade qual seria? E foi de rajada que me respondi: Coragem.

Coragem para nos amar. E a coragem só é precisa quando se tem medo.

Há assim três tipos de homens:

- Não têm medo e são os denominados filhos da p...
- Têm medo e são cobardes. São uns tristes. Merecem a nossa compaixão. E não o digo ironicamente, merecem mesmo.
- Têm medo e têm coragem proporcional. São o cavalo certo. Se apostarmos, o troféu é proporcional à responsabilidade. Por outras palavras: não convém armarmo-nos em parvas.

Há uns tempos escrevi: Um dia havemos todos nós de sair da idade emocional do liceu. Um dia.

o gosto dos outros 6

Não gosto de pés. Os pés dão-me cabo dos sapatos.

R., Lisboa, Outubro 2009


Nunca consegui perceber como é que uma mulher que adora, aliás, venera, sapatos, não gosta de pés. E é observá-la Chiado acima a colar pensos nos calcanhares comidos de inveja pelos sapatos comprados há menos de 24 horas... Claro que a culpa é dos pés, que não percebem os sapatos. Realmente as grandes paixões não se compadecem do corpinho.

15 outubro 2009

e ele veio atrás de mim

Naquela noite as escadas, ainda estranhas porque são de uma casa alheia onde não me mexo bem, pareceram-me intermináveis. Foi como se estivesse a descer até a uma parte de mim, o meu piso térreo, onde tenho reservadas algumas coisas sem qualquer tipo de utilidade. A ideia é um dia arrumá-las todas.
Até aí tenho-me quase sempre passeado no piso superior, mais arejado, mais bonito, com pelo na venta, nariz empinado e uns sorrisos demolidores. E ainda um olhar que, dizem, é fodido. E esta é a primeira vez que escrevo semelhante palavra. Mas não foi eu quem a disse, apenas aqui transcrevo.


Naquela noite, dizia eu, lá tive de descer ao piso térreo, que felizmente tem uma porta de janelas largas, com saída para a rua. A noite estava quente, mas eu estava a ferver e o fresco soube-me como uma água tónica com muito gelo e limão em pleno deserto. Ainda um dia, aliás, hei-de fazer isso, e com um bocadinho de gin se o dia estiver a correr bem.

Naquela noite, desci as escadas com um desejo terreno de deixar cair umas lágrimas. No piso superior as lágrimas são quase sempre de crocodilo ou então ficam armazenadas em forma de dores de cabeça e peso nos olhos, como se fizéssemos uma barragem. E sabemos que as barragens não são coisas da natureza, são coisas dos homens inteligentes que se lembraram de as inventar.

As lágrimas que vale a pena à alma derramar são terrenas, viscerais, vêm dos intestinos feitos num nó pelo medo, do estômago contraído de ansiedade, da barriga prenha de emoções mal digeridas. As lágrimas são a força da verdade que às vezes não queremos ver, na forma da mentira, sombra companheira de toda a vida que nos ajuda a manter o perfil.

Naquela noite desci as escadas, fui à varanda e limpei o meu chão com algumas lágrimas. E ele veio atrás de mim. E então a barragem abriu as comportas. Ele veio nas suas quatro patas, com a sua baba nojenta e a tropeçar nas orelhas, coitado, e ajudou-me a lavar o meu chão. E quanto mais eu chorava mais claro eu via.

E depois voltei ao piso superior, com todos os meus trejeitos de sempre. Não engano ninguém. Mas também já não me engano a mim própria.

Obrigada G.

Ps - Este post é patrocinado por uma marca de toalhetes de um grande hipermercado.

13 outubro 2009

acho mesmo muita graça a estes rapazes

Boa gente. E boa gente é difícil de encontrar. Sobretudo na blogosfera. (Embora nos conheçamos de outros filmes, ou de outros códigos...).

Vejam:
Esse Bandido
The Sock Gap

Um abraço. Afectivo.

Lisboa é uma gaja boa (poema retroactivo)

Lisboa é uma gaja boa...
... e vaidosa.
Cheia de curvas. Cheia de miradouros para se mirar, num jogo de espelhos narcisista.
O Tejo é um gajo vadio, com muita lábia e temperamental. Tão depressa parece um lago ou um rio muito certinho como o Sena ou o Tamisa, como logo se irrita e agita os pobres 'cacilheiros' que cobiçam a Cidade que protege.
Lisboa é também generosa, dá conversa a todos; Cristãos novos, mouros, celtas, viriatos, portucalenses...
Lisboa é uma bela actriz favorecida pela luz, que lhe disfarça as rugas. Não tem glamour nem griffe, mas tem muito mimo, feito beicinho, e uma falsa modéstia velhaca que lhe dá um certo charme.
Lisboa é mesmo uma gaja boa.

11 outubro 2009

há dias felizes

Hoje é um deles.

exercício com final feliz

Uma vez disseram-me que é quando estou mal que escrevo bem.
Talvez por isso me tenham ligado ontem a perguntar se ando muito feliz pois não tenho escrito no blogue.

Não sei exactamente o que significa "estar mal", porque no fundo nunca estou verdadeiramente mal ou bem. Ultimamente, sobretudo, procuro simplesmente estar. Que é o verbo mais fácil de aplicar.
Estar é como a história do ovo de Colombo, tão simples e, ao mesmo tempo, de tão ceguinhos que andamos, estupidamente inalcançável.

É um exercício difícil, mas muito compensador, este que ando a fazer desde há dois anos. Estar. Aliás, nos últimos três anos, além de falar pelos cotovelos, é mesmo o único exercício confessável que pratico.

O que é estar? Como se pratica?
Não é preciso nenhum equipamento especial nem pagar mensalidades absurdas num ginásio.
Nem corremos o risco de sofrer lesões e de transpirar que nem uns doidos.

Estar é precisamente o contrário disso tudo. É não correr à frente do tempo. É não levantar pesos que não valem o esforço. É não alongar situações penosas. É não contrair músculos com medo do que vão pensar de nós. É, enfim, não trabalhar partes do corpo desnecessariamente, a racionalizar as emoções.

Estar é difícil de praticar. É peciso treino diário. Às vezes até precisamos de um personal trainer para nos ajudar a não desistir. Porque praticar o estar implica resistirmos minuto a minuto a deixarmo-nos levar pelas emoções negativas e, até mesmo, pelas positivas.
A felicidade não pode despender disso. A boa forma significa que aceitemos o bom e o mau sem confundir isso com a nossa identidade.

Estamos lixados com o trabalho? Estamos descorçoados com o namorado(a)? Estamos f... com falta de dinheiro? Ok. Então estamos isso tudo. Aceitamos que existe infelicidade, tristeza, desilusão, o que quer que seja, dentro de nós. Mas isso não pode significar que nos assumamos como uma pessoa infeliz, triste, desiludida. As emoções não podem traduzir-se naquilo que somos enquanto pessoas. O que sentimos não é o que somos.

É de facto um exercício difcil de praticar. Eu disse.
Mas a boa forma que dia-a-dia vamos vendo ao espelho... ui, se compensa.

Da mesma maneira, com as emoções positivas. Euforia, encantamento, enamoramento, tesão, liberdade económica, sucesso profisissional. Tudo isto faz-nos sentir felizes, mas cuidado para não nos esticarmos na passadeira a julgar que vamos ganhar as próximas Olimpíadas e bater recordes.
São emoções. Habitam-nos por tempo indeterminado e intermitente.
Vale a pena deixar fluir a raiva, a ansiedade, a revolta, a alegria, o desejo, a tristeza, a paixão, tudo. É assim que tem de ser e temos de nos aguentar.
O que não vale a pena é confundir isso tudo com o que somos. Somos para além disso.

E já agora, é verdade que estou feliz por estes dias, e até um bocadinho tola. Mas a neura está sempre à porta e o mau feitio também.
Se calhar não tenho escrito no blogue porque ando em treino intensivo.

01 outubro 2009

mulher sem cão procura homem com coração

Se a minha vida fosse uma comédia romântica poderia ter este título: Mulher sem cão procura homem com coração... e sem cão.

Homens com cão? Não. Porquê? Porque não. Porque não não é resposta, diz a minha sobrinha Mafaldinha de três anos com o dedo no ar. Pois não é, mas para mim tem chegado e nunca ninguém me pediu explicações maiores sobre o tema.

Hoje resolvi eu mesma pedir-me explicações. E eu não consigo fugir a mim própria.

Ainda no outro dia olhava fascinada para o meu sobrinho de quatro patas, o Disco (um pug de sete quilos, com um focinho giro, giro, capaz de desarmar qualquer um), mas mantive, como sempre, a distância de segurança de pelo menos meio metro. A mãe não me perguntou porque é que eu não o metia no colo e o deixava lamber-me, como todos os outros tios fazem. Ela já sabe que eu não sou aquilo a que se chama uma dog person.

As dog persons são pessoas muito fora de mim, que eu jamais vou conseguir entender totalmente. No fundo admiro a sua capacidade de dádiva e de abnegação social. Ter um cão e devotar-lhe a atenção, o carinho e os cuidados que merece não é para qualquer um. E sinceramente sempre achei que não estou à altura.

Há várias teorias. Que tenho medo de uma mordidela, que fui atacada por cães em criança, que tenho a mania da limpeza e que confusão me fazem os pelos, as lambidelas e o cheiro, entre outras. E ainda o medo de sofrer mais uma perda. São todas verdade.
Mas, no essencial, a mais verdadeira é que ter um cão confronta-me com a fragilidade da vida.
Fico tensa quando percebo que aquele ser depende totalmente de nós, humanos, para sobreviver. Fico sem saber como lidar com a respiração, o palpitar das células debaixo do pelo, os rasgos de inteligênca, de lealdade e de total dependência que observo naqueles seres de quatro patas que levam muitas vezes as vidas dos seus donos à loucura.

Homens com cães foram sempre, portanto, um sinal de que os trabalhos são a dobrar.
Numa alegação perfeitamente egoísta e comodista da minha parte: um homem com cão é um homem que tem um grau de gestão dos seus afectos acima da minha capacidade. E num acto de contrição realmente digno do efeito inquisitório em causa própria: Um homem com cão tem menos tempo para mim.

Será da minha formação católica, ou a confissão é mesmo uma forma de libertação?

Pela quantidade de palavras acabadas em ão neste post, levo-me a crer que, por estes dias, ando com a palavra cão a soar com demasiada frequência na minha cabeça.

Não sou uma dog person. Não creio que alguma vez o seja. Mas sou uma pessoa que gosta de dog persons. Uma "dog persons lover", portanto. Servirá?