19 dezembro 2009

a saudade até cola os cépticos ao tecto

A saudade está em tudo. E como a saudade só se escreve em português, é por isso que os portugueses podiam - se quisessem importar-se com as coisas práticas da vida (tais como a corrupção rasteira que nos tira do pódio da Europa) - estar em tudo, e em tudo em primeiro.

E a saudade é o exemplo maior disso. Os portugueses foram até agora os primeiros a dar o nome a uma coisa que todos os povos sentem mas não têm língua para falá-la numa única palavra.
Ou seja, somos os únicos que sabemos dizer um sentimento que toda a gente tem.

E os outros ficam mudos. E é uma mudez que os cala na presença de tudo o que acontece no mundo. Porque acima de tudo queremos dar palavras às coisas. Ponto.

A saudade está em tudo. E, assim, a saudade é tudo o que é alguma coisa na vida. E o seu contrário.

Acordamos com saudade da cama.
Acordamos com saudade de ir para a rua.
Deitamo-nos com saudade do dia que passou.
Deitamo-nos com saudade de dormir.
Comemos com saudade da comida da mãe.
Comemos com saudade de podermos comer o que quisermos e não o que a mãe manda.
Trabalhamos com saudade das férias.
Trabalhamos com saudade de produzir.
Dançamos com saudade da festa e de uma canção que nos arrepia.
Dançamos com saudade de descansar os pés.
Assistimos às guerras com saudade da paz.
Fazemos guerras com saudade do poder e de ganhar.
Viajamos com saudade de conhecer.
Viajamos com saudade de voltar.
Estamos com saudade de estar noutro lado.
Estamos com saudade de voltarmos a estar tal e com qual como estamos já.
Sonhamos com saudade de viver acordados.
Fazemos amor com saudade de fazer mais.
Fazemos amor com saudade de discutir, para depois fazermos as pazes...

Amamos com saudade. Saudade de tudo o que tivémos, do que já temos e do que ainda havemos de querer.

A saudade é somente a pressa de viver, como se o mundo acabasse se não a sentíssemos mais. E se alguma dia isso acontecer... Só em português se poderá dizer porque foi que morremos todos: falta de saudade.

1 comentário:

Lolita disse...

:-)
Este é um dos teus dons: escrever!