24 junho 2009

pretérito presente

O calendário é a maior ilusão da cura. Somos como os prisioneiros dos filmes que vão riscando cada dia que passa, como se encurtássemos a espera ou arrumássemos mais um problema. O tempo cura tudo, dizem. Mas raramente estamos a tempo do tempo cronológico. A cura só começa quando recolhemos todas as pontas soltas que ficaram para trás no calendário e integramos essas partes nossas que ficam com os outros, com as situações mal resolvidas, com as discussões adiadas, com as emoções não digeridas. Compreender e aceitar essas partes de nós menos felizes, eis o início da cura. É um exercício verdadeiramnete difícil: viver o agora, aceitar o passado e não correr atrás do futuro. É que olhar para a frente é demasiado fácil. O amanhã só faz sentido se não nos doerem as costas pelos fardos que nos impusémos, se não nos doerem as pernas pelos passos que não demos, se não nos incharem as mãos pelas acções que não tomámos ou tomámos mal, se não nos apertar a garganta pelos gritos e emoções que não soltámos, se não nos doer a barriga pelos medos que não resolvemos, se não quisermos fazer sexo pelos abandonos que sofremos e que provocámos, senão nos doer a cabeça pelas lágrimas que não deixámos cair, se não quisermos beber pela rejeição que sentimos... O corpo de dor é um mal de calendário, de futuro apressado. Não vale a pena regressar ao futuro, se ainda não voltámos do passado.

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