16 julho 2009

cidade 24

Há anos que venho a embirrar com o facto de Lisboa fechar a cozinha cedo. Já perdi a conta ao número de noites de folia, ou de stress pós traumático laboral, em que esganada de fome bati com o nariz na porta de restaurantes que já não servem pratos, nem copos, nem sequer uma cadeirinha para sentar e descansar os ossos. Para um país que acaba tarde o trabalho, cujos ritmos dos seus habitantes estão cada vez mais longe do ciclo 9 às 5 e demoram, muitos deles, horas infinitas nos percursos casa-trabalho-casa de amigos-eventos culturais e festivos... fechar a cozinha cedo é um pecado. É claro que podemos ir para casa e fazer-nos ao frigorífico e ao fogão (dirão os mais orientados na vida) mas isso dá trabalho e não tem, como diz a F., o "ambiance" do restaurante ou do bar. Lisboa tem de contemplar cada vez mais os galdérios e os que sofrem do "síndrome de fome nocturna súbita", como eu. E os galdérios e doentes são muitos. Há, e vão surgindo aqui e ali umas honrosas excepções, e a coisa parece começar a compor-se, mas ainda não se pode falar num roteiro gastronómico lisboeta fora de horas. E lá vamos nós debulhando umas tostas mistas (maravilhosa invenção para quem pode comer pão a toda a hora) nos bares. Eu depois de comer uma tosta dá-me vontade de dançar a noite inteira ou caminhar bairro acima e abaixo para desmanchar as calorias na calçada (se for de saltos então, a marcha trabalha músculos de que às vezes nem nos lembramos ter). Mas do que eu não estava à espera era de me queixar disto: Lisboa também devia começar mais cedo! Porque há quem se levante cedo e queira ir para uma esplanada cedo e tomar o pequeno-almoço cedo, ler a sua revista e pensar na vida com uma limonada ou um chá... cedo. Esta é que nunca me tinha ocorrido... Mas digam-me lá se faz sentido, em plena Baixa-Chiado, por exemplo, à pinha de turistas, que se levantam cedo, estarem praticamente todos os sítios mais giros fechados às 9 da manhã? Como pode ser que em pleno Verão caminhemos por uma das zonas mais turísticos da cidade e a maior parte das esplanadas e espaços de restauração abrirem às 10H, ou às 11 ou até ao meio-dia como confirmei eu hoje? É claro que há muitos locais que às sete da manhã já estão a fritar bifanas ou a servir meias de leite, mas sabem que eu estou a falar de outro tipo de espaços, daqueles onde apetece estar e, sobretudo, esplanar. Hoje andei a torrar ao sol grande parte da manhã à procura de um lugar à sombra, para ver a cidade passar e, assim entretida, pensar no dia antes do dia propriamente dito e o máximo que consegui foi, já eram nove horas, sentar-me numa muito nobre esplanada do Chiado onde o pequeno-almoço custou o que eu não queria pagar para estar ali. Mas bem se safam, pois não havia mais nada aberto e ainda tive de esperar por mesa. Não me interpretem mal, a esplanada é boa e a história do local honra a cidade, e bem faz a gerência em abrir cedo, pena é que outros não sigam o exemplo. Caros comerciantes da restauração, pensem nas pessoas que adormecem tarde e se levantam cedo, nos que se levantam tarde e vão para a cama tarde, nos que se lavantam cedo e vão para a cama cedo, pensem em todos nós, pensem na vossa carteira e no futuro de Portugal. Abram a cidade a tempo de todos comerem e beberem à hora certa para cada um. A mim já me basta ter uns quantos amigos e a família disseminados pela Área Metropolitana de Lisboa, e outros em cada ponta de Lisboa, cada um com seu horário, que é uma chatice para combinar qualquer coisa e às vezes parece que estamos a organizar uma mega conferência internacional, com mapas de localização enviados por e-mail, combinações avulsas de boleias a partir de várias casas e empregos, ou em esquinas e ruas que depois ninguém sabe bem como se lá vai, enfim. São horas que se demoram a combinar locais de encontro que sejam acessíveis, que ainda não tenham fechado com base na fórmula: distância, trânsito, ponto de partida e dechegada... A matemática que aprendemos na escola não nos ensinou isto. No meio de tudo apanho sempre muita fome e muitos nervos. Sobra a amizade, que sempre nos salva, e o frigorífico lá de casa.

1 comentário:

Samuel Filipe disse...

Ainda ontem, com uma espanhola que esteve recentemente em Lisboa, comentámos isso mesmo. Habituada a outras «movidas», ao almoço e ao jantar, tinha que entrar em 3 ou 4 restaurantes antes que encontrasse um com a cozinha aberta. «No meu tempo» valia o Snob com os bifes à uma da manhã ou a Portugália...