01 setembro 2009

geração de 70

O melhor dos amigos de infância é que nos fazem felizes.
Assemelho o encontro com um amigo de infância que já não via há muito tempo à sensação que experimento quando olho para fotografias antigas e acho que afinal não estou assim tão mal no retrato como pensava na altura. Nunca vos aconteceu?
Os amigos de infância guardam de nós imagens, acções, atitudes, posturas e ideais que não fazíamos sequer ideia que naqueles tempos fossem capazes de captar. O quê? Mas tu tinhas essa ideia de mim? Eu era mesmo assim? Mas tu lembras-te? Como se aos nove, dez, onze ou doze anos seja impossível ter a maturidade de fixar o outro para além dos jeans elásticos e coçados, dos ténis da Nike brancos de lona com o símbolo azul turquesa. Na verdade, em tempo real, não se tem essa capacidade. Não conscientemente. No entanto, em nenhuma outra fase da vida, como na infância e na adolescência, somos máquinas tão perfeitas de armazenamento de factos e imagens dos outros. Sem edição, sem censura, sem perdão.
Depois, na idade adulta esses dados vêm-nos à memória, com legendas e comentários, e uma nitidez incrível.
Se é verdade que é nos amigos que nos revemos, que são eles o nosso espelho mais credível, serão os da infância os mais capazes de nos devolver a auto-estima, o reflexo das nossas melhores qualidades, e até dos defeitos que acarinhamos, porque não sendo pecados graves são coisas cá muito nossas e pronto. É sempre uma surpresa e é sempre comovente quando alguém com quem andei de bicicleta, a jogar ao bate pé, na escola ou nos escuteiros, se lembra de como eu era selectiva nas amizades, de como tinha a mania de pedir coca-cola com gelo e limão e mandar para trás se não vinha assim, de como gostava de organizar coisas e de dar sempre a minha opinião, de falar de ovnis, Deus e almas de outro mundo, de como me passava com as injustiças de nariz no ar, dos joelhos tortos que ainda tenho (desgraça), das birras. De tanta coisa. E a mim acontece o mesmo. Quando reencontro um amigo de criança, surpreendo-me sempre por me lembrar de coisas que na altura me passaram completamente despercebidas, e faço questão de dizê-las. Porque os outros merecem que lhes lembremos que a sua vida não passou em branco para nós. Somos tão nós em miúdos que vale a pena ainda sermos nós em adultos, com uns inevitáveis e desejáveis arranjos aqui e ali de sofisticação e reciclagem do que não importa. Talvez a amizade seja a melhor forma de nos recuperarmos. Talvez seja a mais genuína segunda oportunidade que a vida nos oferece.

Sem comentários: