O Estado Afectivo agora está aqui:
http://estadoafectivo.blogs.sapo.pt/
08 junho 2010
07 abril 2010
analyse this
A esquizofrenia chegou à minha escrita e não sei o que fazer. Sempre gostei de estar acompanhada, de cafés cheios de gente, de muitos amigos à mesa, de muitos piscar de olhos, de muitos abraços e afectos. Gosto de gente e gosto de gostar e gosto-me assim. O meu percurso de vida sempre o fiz sozinha, mas numa solidão bem acompanhada; mantenham-se perto mas deixem-me em paz quando quero... mas mantenham-se perto, ok? E assim, chegou um convite para escrever num blogue de um amigo que conheci recentemente e com quem troquei apenas... quê? Duas ou três palavras e uns sorrisos. Gosto de sorrir e de querer bem a quem me parece bem. E tenho um talento: sei reconhecer as boas almas. É um facto. E assim, lá entrei no Amor nos Tempos da Blogosfera. Não sei porquê - talvez porque é um canto com mais gente, e gente é o meu negócio - deu-me mais ganas de escrever. Mas agora sinto-me esquizofrénica, e que me perdoem os que dessa deonça padecem, por estar a ser abusiva, mas eu abuso. Aqui no Estado Afectivo vou resguardar-me? Não sei. Vou bipolarizar-me. Escrever para não me deixar morrer de amor. Acho que é a única via para viver e errar.
16 fevereiro 2010
nas nuvens
Não acredito em almas gémeas, acredito em pessoas que nos levam ao limite.
A teoria da laranja que se separou em duas metades no início dos tempos, espremida não dá nada. E quem anda à procura da sua metade, perde o seu tempo.
Creio numa outra estória, aquela que nos conta que numa outra era, sem telemóveis, nem facebooks, nem caneta para escrever, o mundo se fez de nuvens, e era só um céu.
E Deus - ou os deuses, ou os anjos, sei lá - meteu-nos em nuvens como gotas que juntas nunca cairiam e se mantinham unidas.
Nesse dia, Ele achou que a obra era boa e pensou cada nuvem como uma conjunção de gotas, cuja química teria mais tarde os seus frutos, quando fosse preciso as gotas cairem na terra e irrigá-la.
Um dia, quando o mundo não era só céu, e havia terra e lama, e árvores e cavernas, as gotas começaram a cair e separaram-se.
E fomos todos amantes, e filhos, e pais, e mães, e patrões, e empregados, e inimigos, polícias e ladrões, putas e santos. Cruzámo-nos com gotas de outras nuvens, copulámos e odiámo-nos, e com essas gotas nunca fomos felizes, porque essas gotas não nos faziam ir ao limite, foram apenas células que roçámos para o nosso crescimento.
Pelo meio dos tempos, felizmente, também nos cruzámos com as gotas da nossa nuvem. E foram essas que nos deixaram marca. São essas que trazemos connosco hoje e que vamos atraindo com a nossa energia.
Irritam-nos. Afagam-nos. Magoam-nos. Amam-nos. Desprezam-nos. Veneram-nos. Fazem-nos rir. Fazem-nos chorar. Não acredito em almas gémeas, acredito em pessoas que nos levam ao limite.
São essas que agora estamos a conhecer todos os dias. Deus achou que era boa ideia finalmente começarem a encontrar-se todas de novo. Ele lá sabe. Só que agora já não vivemos nas nuvens. O céu é cá em baixo e mora ao lado do inferno. Porque trazemos mágoas e culpas, desejos, crimes, angústias e vazios.
Amigos, amantes, namorados, patrões, colegas de trabalho, sem falar na família em que nascemos, todos os dias encontramos mais uma gota que nos aproxima da nossa nuvem. Como saber?
Irritam-nos. Afagam-nos. Magoam-nos. Amam-nos. Desprezam-nos. Veneram-nos. Fazem-nos rir. Fazem-nos chorar. Não acredito em almas gémeas, acredito em pessoas que nos levam ao limite.
A prova está no olhar e quando sentimos uma atracção imediata, fatal, que vem de dentro, como se todas as nossas células quisessem desde sempre encontrar-se com essa pessoa. Para que nos faça ser tudo o que devíamos ser desde sempre. São desafios, e às vezes até nos podem fazer passar vergonhas, fazer-nos sentir fracos, para no fim sermos maiores.
E acontece a toda a hora, nas situações mais improváveis e quando menos se espera.
As nuvens começam a formar-se novamente no céu.
Talvez, então, percebamos que não há duas almas gémeas. Há muitas almas gémeas, filhas da mesma nuvem. Algumas cumprem um destino romântico, outras um destino profissional, muitas já são famílias, muitas hão-de ser amigas. Na mesma nuvem cabem o amor, a amizade, o desespero, a esperança, as lágrimas, os risos e os disparates. Na mesma nuvem estamos em sintonia e ninguém se vai despegar até ao fim destes tempos. Deve haver uma razão.
A teoria da laranja que se separou em duas metades no início dos tempos, espremida não dá nada. E quem anda à procura da sua metade, perde o seu tempo.
Creio numa outra estória, aquela que nos conta que numa outra era, sem telemóveis, nem facebooks, nem caneta para escrever, o mundo se fez de nuvens, e era só um céu.
E Deus - ou os deuses, ou os anjos, sei lá - meteu-nos em nuvens como gotas que juntas nunca cairiam e se mantinham unidas.
Nesse dia, Ele achou que a obra era boa e pensou cada nuvem como uma conjunção de gotas, cuja química teria mais tarde os seus frutos, quando fosse preciso as gotas cairem na terra e irrigá-la.
Um dia, quando o mundo não era só céu, e havia terra e lama, e árvores e cavernas, as gotas começaram a cair e separaram-se.
E fomos todos amantes, e filhos, e pais, e mães, e patrões, e empregados, e inimigos, polícias e ladrões, putas e santos. Cruzámo-nos com gotas de outras nuvens, copulámos e odiámo-nos, e com essas gotas nunca fomos felizes, porque essas gotas não nos faziam ir ao limite, foram apenas células que roçámos para o nosso crescimento.
Pelo meio dos tempos, felizmente, também nos cruzámos com as gotas da nossa nuvem. E foram essas que nos deixaram marca. São essas que trazemos connosco hoje e que vamos atraindo com a nossa energia.
Irritam-nos. Afagam-nos. Magoam-nos. Amam-nos. Desprezam-nos. Veneram-nos. Fazem-nos rir. Fazem-nos chorar. Não acredito em almas gémeas, acredito em pessoas que nos levam ao limite.
São essas que agora estamos a conhecer todos os dias. Deus achou que era boa ideia finalmente começarem a encontrar-se todas de novo. Ele lá sabe. Só que agora já não vivemos nas nuvens. O céu é cá em baixo e mora ao lado do inferno. Porque trazemos mágoas e culpas, desejos, crimes, angústias e vazios.
Amigos, amantes, namorados, patrões, colegas de trabalho, sem falar na família em que nascemos, todos os dias encontramos mais uma gota que nos aproxima da nossa nuvem. Como saber?
Irritam-nos. Afagam-nos. Magoam-nos. Amam-nos. Desprezam-nos. Veneram-nos. Fazem-nos rir. Fazem-nos chorar. Não acredito em almas gémeas, acredito em pessoas que nos levam ao limite.
A prova está no olhar e quando sentimos uma atracção imediata, fatal, que vem de dentro, como se todas as nossas células quisessem desde sempre encontrar-se com essa pessoa. Para que nos faça ser tudo o que devíamos ser desde sempre. São desafios, e às vezes até nos podem fazer passar vergonhas, fazer-nos sentir fracos, para no fim sermos maiores.
E acontece a toda a hora, nas situações mais improváveis e quando menos se espera.
As nuvens começam a formar-se novamente no céu.
Talvez, então, percebamos que não há duas almas gémeas. Há muitas almas gémeas, filhas da mesma nuvem. Algumas cumprem um destino romântico, outras um destino profissional, muitas já são famílias, muitas hão-de ser amigas. Na mesma nuvem cabem o amor, a amizade, o desespero, a esperança, as lágrimas, os risos e os disparates. Na mesma nuvem estamos em sintonia e ninguém se vai despegar até ao fim destes tempos. Deve haver uma razão.
14 fevereiro 2010
post's retroactivos... 2
Já começou o dia mais piroso do ano...
... Soltem as rosas, levem-na a jantar, arranjem o cabelo, maquilhem-se, ponham a gravata nova, aspirem o carro, saiam mais cedo do trabalho, escolham bem a lingerie, não se esqueçam da depilação, façam a barba três vezes, lavem os dentes de cinco em cinco minutos, troquem surpresas...Ao oitavo dia, S. Valentim exigiu, em sua honra, o sacrifício do bom gosto e da espontaneidade no amor. E Deus, que estava cansado porque tinha criado o mundo, concedeu-o para não ter de se chatear com o raio do santo. Há quem goste.
Fevereiro 2005
conversa de búzios
- As mulheres são como o mar. Perigosas. Tenho-lhes muito respeito. E tenho muito respeito ao mar...
E assim acabou mais um telefonema.
PS - O respeito é bonito. O medo é perda de tempo.
Abril de 2006
Perguntas com resposta, mas sem solução
- Quando é que o amor por ele/a devia morrer?
Quando ele/a nos faz chorar a primeira vez.
- Quando é que o amor morre?
Nunca. O verdadeiro.
- Quando é que uma relação devia acabar?
De preferência antes do amor acabar.
- Complicado?
Sempre.
Fevereiro 2005
Na cama com...
... no sofá, no carro, no chão, na cozinha, no escritório, na relva... O sexo não escolhe locais e não exige colchão. Isso já todos sabemos há muito tempo e quem não sabe vê nos filmes. Por isso, não percebo porque é que se diz que se dormiu com alguém. Dormiu?! Será uma maneira de romantizar a coisa? Mas a coisa não valerá por si só? Cabe na cabeça de alguém dizer que fulano anda a dormir com sicrana, quando na realidade eles amassam-se nas escadas da empresa? Ou que dois beltranos que se encontram à hora de almoço no hotel andam a dormir juntos? Bem esperta foi uma adolescente que eu conheço responder à avó "Eu, avó?! Eu não durmo com o meu namorado! A avó não tem confiança em mim?". Engasguei-me à mesa e tive de conter o riso. A safadinha até me lançou uma piscadela de olhos... A nova geração é muito mais esperta.
Novembro 2004
... Soltem as rosas, levem-na a jantar, arranjem o cabelo, maquilhem-se, ponham a gravata nova, aspirem o carro, saiam mais cedo do trabalho, escolham bem a lingerie, não se esqueçam da depilação, façam a barba três vezes, lavem os dentes de cinco em cinco minutos, troquem surpresas...Ao oitavo dia, S. Valentim exigiu, em sua honra, o sacrifício do bom gosto e da espontaneidade no amor. E Deus, que estava cansado porque tinha criado o mundo, concedeu-o para não ter de se chatear com o raio do santo. Há quem goste.
Fevereiro 2005
conversa de búzios
- As mulheres são como o mar. Perigosas. Tenho-lhes muito respeito. E tenho muito respeito ao mar...
E assim acabou mais um telefonema.
PS - O respeito é bonito. O medo é perda de tempo.
Abril de 2006
Perguntas com resposta, mas sem solução
- Quando é que o amor por ele/a devia morrer?
Quando ele/a nos faz chorar a primeira vez.
- Quando é que o amor morre?
Nunca. O verdadeiro.
- Quando é que uma relação devia acabar?
De preferência antes do amor acabar.
- Complicado?
Sempre.
Fevereiro 2005
Na cama com...
... no sofá, no carro, no chão, na cozinha, no escritório, na relva... O sexo não escolhe locais e não exige colchão. Isso já todos sabemos há muito tempo e quem não sabe vê nos filmes. Por isso, não percebo porque é que se diz que se dormiu com alguém. Dormiu?! Será uma maneira de romantizar a coisa? Mas a coisa não valerá por si só? Cabe na cabeça de alguém dizer que fulano anda a dormir com sicrana, quando na realidade eles amassam-se nas escadas da empresa? Ou que dois beltranos que se encontram à hora de almoço no hotel andam a dormir juntos? Bem esperta foi uma adolescente que eu conheço responder à avó "Eu, avó?! Eu não durmo com o meu namorado! A avó não tem confiança em mim?". Engasguei-me à mesa e tive de conter o riso. A safadinha até me lançou uma piscadela de olhos... A nova geração é muito mais esperta.
Novembro 2004
post's retroactivos... 1
Hoje, dia que chamam dos namorados, resolvi reflectir sobre o amor. E resolvi também rever algumas coisas que escrevi num blogue que tive há uns anos, na descoberta da blogosfera, e que se chamava Código de Santiago. A idade também nos traz isto: revermo-nos à distância de uns anos e perceber que nos traduzimos na soma das nossas "vidas passadas". Os códigos mudam quando mudam as nossas residências interiores. Algumas coisas que escrevi ainda vivem comigo, outras não passam da memória de um apeadeiro onde me sentei por um tempo.
Aqui vai um dos antigos:
Homens temporariamente sós
A vida não está fácil para os homens trintões. Tenho uma série de amigos que vivem sós, com existências intercaladas por encontros sexuais fugazes e relações que deixam mágoas e conduzem a um ateísmo amoroso de que não há memória. No outro dia um deles desabafou: O que raio querem as mulheres? Eu, que tenho sempre qualquer coisa a dizer, fiquei sem resposta. Nem as mulheres sabem o que querem! Essa é a verdade. Ou, pelo menos, não sabem o que querem sempre... Umas vezes queremos umas coisas, outras vezes o contrário dessas... A única resposta cabal que ouvi nos últimos tempos foi somente esta: Gosto de um homem que me faça rir todos os dias! Sinceramente não a compreendi... Mas isso fica para outro post. Ontem disse a outro amigo (que acredita que um amor a sério nunca se repete e que a oportunidade dele já passou) uma coisa verdadeiramente estúpida: Os homens não podem tratar as mulheres bem demais... Que grande parvoíce esta. Nem sei o que queria dizer com isto. Só sei que mais cedo ou mais tarde, a maioria dos meus amigos trintões sós vai acabar por casar com alguém que está à mão de preencher um vazio, compôr a casa, constituir família, etc, sem glória, sem paixão, e sem um pingo de desilusão sequer... Aquela que sempre advém de um grande amor!
Junho 2004
Aqui vai um dos antigos:
Homens temporariamente sós
A vida não está fácil para os homens trintões. Tenho uma série de amigos que vivem sós, com existências intercaladas por encontros sexuais fugazes e relações que deixam mágoas e conduzem a um ateísmo amoroso de que não há memória. No outro dia um deles desabafou: O que raio querem as mulheres? Eu, que tenho sempre qualquer coisa a dizer, fiquei sem resposta. Nem as mulheres sabem o que querem! Essa é a verdade. Ou, pelo menos, não sabem o que querem sempre... Umas vezes queremos umas coisas, outras vezes o contrário dessas... A única resposta cabal que ouvi nos últimos tempos foi somente esta: Gosto de um homem que me faça rir todos os dias! Sinceramente não a compreendi... Mas isso fica para outro post. Ontem disse a outro amigo (que acredita que um amor a sério nunca se repete e que a oportunidade dele já passou) uma coisa verdadeiramente estúpida: Os homens não podem tratar as mulheres bem demais... Que grande parvoíce esta. Nem sei o que queria dizer com isto. Só sei que mais cedo ou mais tarde, a maioria dos meus amigos trintões sós vai acabar por casar com alguém que está à mão de preencher um vazio, compôr a casa, constituir família, etc, sem glória, sem paixão, e sem um pingo de desilusão sequer... Aquela que sempre advém de um grande amor!
Junho 2004
o amor é
O amor é como o IRS, está cheio de deduções e de abatimentos. Mas quando chega o reembolso, sentimos que valeu a pena fazer os descontos, pagar os IVA's e fazer a retenção na fonte. Quanto mais se investe, mais se recebe. E depois de receber, voltamos a queixar-nos do quanto descontamos... e do trabalho que dá. Assim é o amor. Não consta que desapareça. Nem o amor, nem o IRS.
12 fevereiro 2010
mentira
Quando alguém inventa uma mentira está a dizer-nos uma grande verdade. São essas mentiras as mais doces, o reverso da nossa identidade. Deviam vender-se em frasquinhos, para tomar numa emergência social; aquelas situações em que mais vale ser mentiroso do que parecer verdadeiro. E a diferença entre inventar uma mentira e dizer uma mentira é a mesma que vai entre sobreviver e rastejar. É a diferença entre os audazes e os vermes.
melhor
Compensa sempre sempre ser melhor. Melhor do que imaginamos ser.
O telefonista que tem uma profissão de merda a passar chamadas ao Dr. x, à tia do outro, à prima que conseguiu o emprego na câmara por cunha (e nem por isso será necessariamente má profissional, we never know). A empregada de balcão que sofre a vender soutiens que levantem as mamas à la Maxmen, enclausurada num centro comercial com luzes castradoras que tiram a aura a um anjo de alto calibre. O pobre do funcionário dos serviços de limpeza municipais, que limpa a porcaria das beatas que entopem as sarjetas no Bairro Alto (alguém imagina o trabalho que dá tirar essas beatas?). A mulher-a-dias que saca os preservativos do chão e usa uma picareta para decapar a comida dos pratos de há três dias, resultado de uma jantarada de amigos que beberam vinho a mais e fumaram umas cenas depois das 2 da manhã... E ainda assim ser melhor compensa. Quem se supera, nem que seja a vender bolas de berlim na praia, há-de ser sempre melhor que si mesmo, e assim melhor que toda a gente. Há-de ser melhor que todos os "executive" qualquer coisa em estrangeiro. Há-de ser melhor que os 400 ou 500 euros que ganha. Há-de ser melhor que o rendimento mínimo ou de reinserção, como se diz agora. Há-de ser melhor se quiser ser melhor.
Alguém há-de reparar quando ouvir uma voz simpática do outro lado do telefone, sem sonhar que essa voz caminhará até ao Metro para daí a umas horas fazer o jantar de salsichas para os filhos: há-de reparar no chão limpo e na louça arrumada, sem imaginar que essas mãos irão cuidar do marido, da sogra, dos netos, com carinho e abnegação pessoal; há-de notar que as ruas estão mais limpas, sem vislumbrar os olhos que depois de escrutinar as beatas nas sarjetas vão ler livros que contam estórias de outras ruas e de outras cidades; há-de reparar que alguém conseguiu dar boa forma às suas mamas (e se isso é importante, ou a Ophra não teria dedicado um programa inteiro à importância da escolha de um bom soutien), sem saber que essa empregada de balcão provavelmente não terá homem que lhe ligue.
Compensa sempre ser melhor porque alguém um dia há-de reparar. Compensa sempre ser melhor, onde quer que se esteja, porque a melhor competição é a que travamos connosco. Por muito miserável que seja a vida e este país.
O telefonista que tem uma profissão de merda a passar chamadas ao Dr. x, à tia do outro, à prima que conseguiu o emprego na câmara por cunha (e nem por isso será necessariamente má profissional, we never know). A empregada de balcão que sofre a vender soutiens que levantem as mamas à la Maxmen, enclausurada num centro comercial com luzes castradoras que tiram a aura a um anjo de alto calibre. O pobre do funcionário dos serviços de limpeza municipais, que limpa a porcaria das beatas que entopem as sarjetas no Bairro Alto (alguém imagina o trabalho que dá tirar essas beatas?). A mulher-a-dias que saca os preservativos do chão e usa uma picareta para decapar a comida dos pratos de há três dias, resultado de uma jantarada de amigos que beberam vinho a mais e fumaram umas cenas depois das 2 da manhã... E ainda assim ser melhor compensa. Quem se supera, nem que seja a vender bolas de berlim na praia, há-de ser sempre melhor que si mesmo, e assim melhor que toda a gente. Há-de ser melhor que todos os "executive" qualquer coisa em estrangeiro. Há-de ser melhor que os 400 ou 500 euros que ganha. Há-de ser melhor que o rendimento mínimo ou de reinserção, como se diz agora. Há-de ser melhor se quiser ser melhor.
Alguém há-de reparar quando ouvir uma voz simpática do outro lado do telefone, sem sonhar que essa voz caminhará até ao Metro para daí a umas horas fazer o jantar de salsichas para os filhos: há-de reparar no chão limpo e na louça arrumada, sem imaginar que essas mãos irão cuidar do marido, da sogra, dos netos, com carinho e abnegação pessoal; há-de notar que as ruas estão mais limpas, sem vislumbrar os olhos que depois de escrutinar as beatas nas sarjetas vão ler livros que contam estórias de outras ruas e de outras cidades; há-de reparar que alguém conseguiu dar boa forma às suas mamas (e se isso é importante, ou a Ophra não teria dedicado um programa inteiro à importância da escolha de um bom soutien), sem saber que essa empregada de balcão provavelmente não terá homem que lhe ligue.
Compensa sempre ser melhor porque alguém um dia há-de reparar. Compensa sempre ser melhor, onde quer que se esteja, porque a melhor competição é a que travamos connosco. Por muito miserável que seja a vida e este país.
18 janeiro 2010
tremores no céu
Disseram-me que houve tempestade no céu. E um sismo também. E os tsunamis e os tremores fizeram-se sentir cá em baixo, na Terra, onde andamos a olhar para os pés, para o lado, para cima ou para a frente e poucas vezes para dentro. E o chão cedeu. E veio um eclipse e tudo acalmou. Foi bom. Tempestade no céu, amor verdadeiro em terra. Às vezes é preciso regressarmos ao centro. De nós.
10 janeiro 2010
a cor do álcool
O álcool não tem cor. É apenas um filtro. Por isso o bebemos. Ontem perguntavam-me como consigo divertir-me à noite e aguentar até tarde sem beber álcool... É simples: divirto-me com ou sem, mas de maneira diferente. Se bebo, relaxo e vejo as pessoas como são. Se não bebo, desperto e vejo as pessoas como elas gostariam de ser; o que revela muito mais sobre a sua identidade...
O álcool é um filtro que nos protege na noite. Mas muito mais eficaz do que aqueles inventados há uns anos para os computadores e que não serviam para nada. O álcool ajuda as pessoas a saberem o que fazer com as mãos, a dizerem o que querem e a ouvirem o que de outra maneira não quereriam. O álcool dá uma coragem falsa, mas fiel ao nosso lado mais selvagem. Para muitos é uma forma de aguentar a bebedeira dos outros. Para todos é a maneira mais fácil de descer a um nível de inconsciência primitiva, quando as batidas dos tambores tribais e os gritos da natureza bastavam para sermos felizes. A noite é hoje o caminho que encontrámos para regressarmos ao início dos tempos. Quando não bebo, o que é a maior parte das vezes, é uma forma de persistir na civilização. Consciente.
O álcool é um filtro que nos protege na noite. Mas muito mais eficaz do que aqueles inventados há uns anos para os computadores e que não serviam para nada. O álcool ajuda as pessoas a saberem o que fazer com as mãos, a dizerem o que querem e a ouvirem o que de outra maneira não quereriam. O álcool dá uma coragem falsa, mas fiel ao nosso lado mais selvagem. Para muitos é uma forma de aguentar a bebedeira dos outros. Para todos é a maneira mais fácil de descer a um nível de inconsciência primitiva, quando as batidas dos tambores tribais e os gritos da natureza bastavam para sermos felizes. A noite é hoje o caminho que encontrámos para regressarmos ao início dos tempos. Quando não bebo, o que é a maior parte das vezes, é uma forma de persistir na civilização. Consciente.
08 janeiro 2010
quando somos
Quando somos, somos grandes. Quando somos, podemos decidir deixar de fumar ou retomar por estupidez. Podemos mandar tudo ao ar ou decidir ficar. Entrar num bar, beber, dançar ou desatinar. Amar ou odiar. Comer ou fechar a boca. Dormir ou arregalarmo-nos sem medo da noite. Nadar ou afogarmo-nos na areia. Gastar bem, poupar mal ou crescer e conviver generosamente com o dinheiro. Quando somos, podemos abandonar casas, retornar a elas, escolher outras, imaginar algumas ou viver a céu aberto. Ouvimos a música que queremos. Dizemos ou guardamos as palavras que queremos. Podemos nada fazer por mal ou decidir fazer algo por bem. E se quisermos despir-nos? Também. E também podemos vestir caro ou piroso. Até podemos, quando somos, andar trajados de amianto com um isqueiro no bolso. Quando somos, somos grandes, e o que somos seremos até que nos doa ou alguém nos puxe para um lado ou para o outro.
Quando somos, somos infernalmente felizes ou infelizes.
Quando somos, somos infernalmente felizes ou infelizes.
19 dezembro 2009
a saudade até cola os cépticos ao tecto
A saudade está em tudo. E como a saudade só se escreve em português, é por isso que os portugueses podiam - se quisessem importar-se com as coisas práticas da vida (tais como a corrupção rasteira que nos tira do pódio da Europa) - estar em tudo, e em tudo em primeiro.
E a saudade é o exemplo maior disso. Os portugueses foram até agora os primeiros a dar o nome a uma coisa que todos os povos sentem mas não têm língua para falá-la numa única palavra.
Ou seja, somos os únicos que sabemos dizer um sentimento que toda a gente tem.
E os outros ficam mudos. E é uma mudez que os cala na presença de tudo o que acontece no mundo. Porque acima de tudo queremos dar palavras às coisas. Ponto.
A saudade está em tudo. E, assim, a saudade é tudo o que é alguma coisa na vida. E o seu contrário.
Acordamos com saudade da cama.
Acordamos com saudade de ir para a rua.
Deitamo-nos com saudade do dia que passou.
Deitamo-nos com saudade de dormir.
Comemos com saudade da comida da mãe.
Comemos com saudade de podermos comer o que quisermos e não o que a mãe manda.
Trabalhamos com saudade das férias.
Trabalhamos com saudade de produzir.
Dançamos com saudade da festa e de uma canção que nos arrepia.
Dançamos com saudade de descansar os pés.
Assistimos às guerras com saudade da paz.
Fazemos guerras com saudade do poder e de ganhar.
Viajamos com saudade de conhecer.
Viajamos com saudade de voltar.
Estamos com saudade de estar noutro lado.
Estamos com saudade de voltarmos a estar tal e com qual como estamos já.
Sonhamos com saudade de viver acordados.
Fazemos amor com saudade de fazer mais.
Fazemos amor com saudade de discutir, para depois fazermos as pazes...
Amamos com saudade. Saudade de tudo o que tivémos, do que já temos e do que ainda havemos de querer.
A saudade é somente a pressa de viver, como se o mundo acabasse se não a sentíssemos mais. E se alguma dia isso acontecer... Só em português se poderá dizer porque foi que morremos todos: falta de saudade.
E a saudade é o exemplo maior disso. Os portugueses foram até agora os primeiros a dar o nome a uma coisa que todos os povos sentem mas não têm língua para falá-la numa única palavra.
Ou seja, somos os únicos que sabemos dizer um sentimento que toda a gente tem.
E os outros ficam mudos. E é uma mudez que os cala na presença de tudo o que acontece no mundo. Porque acima de tudo queremos dar palavras às coisas. Ponto.
A saudade está em tudo. E, assim, a saudade é tudo o que é alguma coisa na vida. E o seu contrário.
Acordamos com saudade da cama.
Acordamos com saudade de ir para a rua.
Deitamo-nos com saudade do dia que passou.
Deitamo-nos com saudade de dormir.
Comemos com saudade da comida da mãe.
Comemos com saudade de podermos comer o que quisermos e não o que a mãe manda.
Trabalhamos com saudade das férias.
Trabalhamos com saudade de produzir.
Dançamos com saudade da festa e de uma canção que nos arrepia.
Dançamos com saudade de descansar os pés.
Assistimos às guerras com saudade da paz.
Fazemos guerras com saudade do poder e de ganhar.
Viajamos com saudade de conhecer.
Viajamos com saudade de voltar.
Estamos com saudade de estar noutro lado.
Estamos com saudade de voltarmos a estar tal e com qual como estamos já.
Sonhamos com saudade de viver acordados.
Fazemos amor com saudade de fazer mais.
Fazemos amor com saudade de discutir, para depois fazermos as pazes...
Amamos com saudade. Saudade de tudo o que tivémos, do que já temos e do que ainda havemos de querer.
A saudade é somente a pressa de viver, como se o mundo acabasse se não a sentíssemos mais. E se alguma dia isso acontecer... Só em português se poderá dizer porque foi que morremos todos: falta de saudade.
08 dezembro 2009
o medo
O medo é uma catástrofe natural.
Natural porque é humano, catástrofe porque nos leva a cometer e a pensar (o que ainda é pior do que cometer) grandes disparates. Mas como em todas as catástrofes, o que se segue ao medo é inevitavelmente melhor, porque assim estava escrito na profecia que vem antes de todos os tempos: tudo o que acontece será por um acaso pensado, ou por um destino irreflectido. Como quando se diz que "tudo acontece por uma razão", mesmo que essa razão seja fruto de uma obra passional concebida por Deus(es). As profecias servem para acreditarmos nelas ou não, e eu acredito.
O medo, como escreveu Alexandre O'Neill, num poema assombroso, "vai ter tudo", mas antes que cheguemos a ratos, eu acredito que o medo vai salvar-nos; de sermos filhos da puta, de entrarmos com ganas de maiores em todas a sedes de poder raiano com a corrupção, de sermos rasteiros e manipularmos, de sermos moles de espinha, de não nos permitirmos amar.
Se não fosse o medo, não estaríamos atentos, em guarda, na expectativa de sermos melhores.
Ter medo diferencia os heróis dos cabrões, impulsiona os grandes feitos, ajuda à humildade que nos escapa pelas mãos ávidas de agarrar o reconhecimento que não concedemos a nós próprios, dá-nos a adrenalina para ir em frente - mesmo que às vezes ir em frente seja voltar para trás, até onde nos lembramos de ter identidade.
Ai "o medo vai ter tudo", e serão muitos os que nem experimentarão tê-lo, porque terão medo do medo, mas serão também cada vez mais os que se agarrarão ao medo como a mais segura dúvida metódica para serem corajosos.
O medo serve para avançar. Assim tem de ser, antes que dê cabo de nós.
Natural porque é humano, catástrofe porque nos leva a cometer e a pensar (o que ainda é pior do que cometer) grandes disparates. Mas como em todas as catástrofes, o que se segue ao medo é inevitavelmente melhor, porque assim estava escrito na profecia que vem antes de todos os tempos: tudo o que acontece será por um acaso pensado, ou por um destino irreflectido. Como quando se diz que "tudo acontece por uma razão", mesmo que essa razão seja fruto de uma obra passional concebida por Deus(es). As profecias servem para acreditarmos nelas ou não, e eu acredito.
O medo, como escreveu Alexandre O'Neill, num poema assombroso, "vai ter tudo", mas antes que cheguemos a ratos, eu acredito que o medo vai salvar-nos; de sermos filhos da puta, de entrarmos com ganas de maiores em todas a sedes de poder raiano com a corrupção, de sermos rasteiros e manipularmos, de sermos moles de espinha, de não nos permitirmos amar.
Se não fosse o medo, não estaríamos atentos, em guarda, na expectativa de sermos melhores.
Ter medo diferencia os heróis dos cabrões, impulsiona os grandes feitos, ajuda à humildade que nos escapa pelas mãos ávidas de agarrar o reconhecimento que não concedemos a nós próprios, dá-nos a adrenalina para ir em frente - mesmo que às vezes ir em frente seja voltar para trás, até onde nos lembramos de ter identidade.
Ai "o medo vai ter tudo", e serão muitos os que nem experimentarão tê-lo, porque terão medo do medo, mas serão também cada vez mais os que se agarrarão ao medo como a mais segura dúvida metódica para serem corajosos.
O medo serve para avançar. Assim tem de ser, antes que dê cabo de nós.
09 novembro 2009
se o amor tivesse lógica não arriscávamos
“Se o amor tivesse lógica não arriscávamos”. Esta é uma fala roubada de uma série vista numa noite de insónia no sofá, com os olhos meio inchados.
Quando mudei pela enésima vez de canal, dei com uma criança que estava possuída por Deus. Nessa série Deus é “one of us” e tanto pode ser uma professora chata, como uma criança esperta ou um adolescente punk. E fala para além da Bíblia.
A criança lia uma história de princesas que acaba sempre com “… e viveram felizes para sempre”. A criança falava bem, ou não fosse Deus. Dizia Ela que depois do final feliz vem o trabalho. “O amor verdadeiro dá trabalho”. Mais uma fala roubada. Nem é grande novidade, mas dita por Deus... Guardei-as como se me tivesse caído a moeda que faltava no mealheiro onde conservo as boas e as más memórias emocionais.
E alguém perguntava porque não pode o amor ser mais simples, porque não podemos nós passar ao lado das discussões, das tentações, das angústias, das inseguranças?
E Deus falou assim: “Porque o amor é a mais bela e intensa luz do Universo, que ilumina tudo e todos. E como todas as luzes tem sombra”.
E na madrugada do nono dia do mês de Novembro eu descansei finalmente. Se à lógica nos convertermos jamais seremos capaz de amar.
Talvez até Saramago gostasse mais deste Deus. Um Deus que nos coloca desafios, mas não é castrador ou injusto. A liberdade é uma coisa fantástica. Com ela decidimos o que fazer com o destino. Não mudamos o destino, mas podemos escolher o que fazer com ele. E o amor é sempre o melhor caminho.
Nota: As falas roubadas não estão devidamente transcritas, porque não tinha papel e caneta à mão nem vontade de me levantar do sofá, mas querem dizer o mesmo. Palavra de Deus.
Quando mudei pela enésima vez de canal, dei com uma criança que estava possuída por Deus. Nessa série Deus é “one of us” e tanto pode ser uma professora chata, como uma criança esperta ou um adolescente punk. E fala para além da Bíblia.
A criança lia uma história de princesas que acaba sempre com “… e viveram felizes para sempre”. A criança falava bem, ou não fosse Deus. Dizia Ela que depois do final feliz vem o trabalho. “O amor verdadeiro dá trabalho”. Mais uma fala roubada. Nem é grande novidade, mas dita por Deus... Guardei-as como se me tivesse caído a moeda que faltava no mealheiro onde conservo as boas e as más memórias emocionais.
E alguém perguntava porque não pode o amor ser mais simples, porque não podemos nós passar ao lado das discussões, das tentações, das angústias, das inseguranças?
E Deus falou assim: “Porque o amor é a mais bela e intensa luz do Universo, que ilumina tudo e todos. E como todas as luzes tem sombra”.
E na madrugada do nono dia do mês de Novembro eu descansei finalmente. Se à lógica nos convertermos jamais seremos capaz de amar.
Talvez até Saramago gostasse mais deste Deus. Um Deus que nos coloca desafios, mas não é castrador ou injusto. A liberdade é uma coisa fantástica. Com ela decidimos o que fazer com o destino. Não mudamos o destino, mas podemos escolher o que fazer com ele. E o amor é sempre o melhor caminho.
Nota: As falas roubadas não estão devidamente transcritas, porque não tinha papel e caneta à mão nem vontade de me levantar do sofá, mas querem dizer o mesmo. Palavra de Deus.
29 outubro 2009
os meus amigos são melhores que os da vizinha
Há uns tempos, uma das minhas melhores amigas, a G., disse-me que já não tinha espaço dentro dela para fazer mais amigos, ou pelo menos amigos à séria, daqueles a quem temos de dar atenção a valer, ter linha aberta 24 horas, acompanhar nos bons e nos maus momentos. Ela acha mesmo que não consegue dar tempo de qualidade a mais ninguém e prefere manter em bom estado as amizades que tem.
Eu e a minha amiga somos muito diferentes nesse aspecto. E assim mesmo gostamos muito uma da outra. Sobretudo porque não há cobranças de tempo e atenção entre nós.
Mas a declaração dela chocou-me um bocadinho, porque, apaixonada por pessoas como sou, sempre que conheço alguém que vale a pena e as nossas almas se cruzam, zás... é meu amigo. É raro, sobretudo depois dos 30, isso acontecer. Por isso me sinto privilegiada.
Na minha geração as "amizades" vão adquirindo variações que roçam o interesse profissional (ainda que não interesseiro), os amigos de infância perderam-se em caminhos díspares, os de faculdade servem-se apenas nos jantares de turma, os do trabalho não passam disso mesmo, e há os que casaram e morreram para a vida. É triste. Mas eu sou, reconheço, feliz nas amizades.
Vieram se calhar as redes sociais e os blogues, com todos os prós e contras já muito evocados em várias sedes, contrariar isso, oferecendo novas formas de encontro e partilha. E há sempre, pelo menos entre os portugueses, o hábito de sentar à mesa e pôr a conversa em dia, mesmo que depois da sobremesa ou de uns copos estejam todos mais uns meses sem se verem.
No fundo, quando as pessoas se querem bem não há regras para a amizade. A amizade pode sobreviver na intermitência dos contactos, nos sobressaltos das várias fases profissionais e pessoais porque todos passamos, no desacerto dos nossos timings.
Há apenas um sinal que é preciso entender para saber se estamos em presença de um amigo ou de um conhecido:
Não importa à quanto tempo não estamos juntos, se quando nos revemos os olhos brilham e o coração se enche de felicidade. E depois vem aquele abraço. É de amigo.
Eu e a minha amiga somos muito diferentes nesse aspecto. E assim mesmo gostamos muito uma da outra. Sobretudo porque não há cobranças de tempo e atenção entre nós.
Mas a declaração dela chocou-me um bocadinho, porque, apaixonada por pessoas como sou, sempre que conheço alguém que vale a pena e as nossas almas se cruzam, zás... é meu amigo. É raro, sobretudo depois dos 30, isso acontecer. Por isso me sinto privilegiada.
Na minha geração as "amizades" vão adquirindo variações que roçam o interesse profissional (ainda que não interesseiro), os amigos de infância perderam-se em caminhos díspares, os de faculdade servem-se apenas nos jantares de turma, os do trabalho não passam disso mesmo, e há os que casaram e morreram para a vida. É triste. Mas eu sou, reconheço, feliz nas amizades.
Vieram se calhar as redes sociais e os blogues, com todos os prós e contras já muito evocados em várias sedes, contrariar isso, oferecendo novas formas de encontro e partilha. E há sempre, pelo menos entre os portugueses, o hábito de sentar à mesa e pôr a conversa em dia, mesmo que depois da sobremesa ou de uns copos estejam todos mais uns meses sem se verem.
No fundo, quando as pessoas se querem bem não há regras para a amizade. A amizade pode sobreviver na intermitência dos contactos, nos sobressaltos das várias fases profissionais e pessoais porque todos passamos, no desacerto dos nossos timings.
Há apenas um sinal que é preciso entender para saber se estamos em presença de um amigo ou de um conhecido:
Não importa à quanto tempo não estamos juntos, se quando nos revemos os olhos brilham e o coração se enche de felicidade. E depois vem aquele abraço. É de amigo.
17 outubro 2009
o cavalo certo
A minha amiga G. tem uma mania que nos lambuza a boca sempre que a abrimos para as nossas intermináveis conversas, chama-se "situação limite".
Quando menos se espera, em quase todos os nossos encontros, lá vem ela: "situação limite... se só pudéssemos comer uma coisa até ao final da vida, o que escolhiam? Se só pudéssemos vestir uma cor qual seria? Se só pudéssemos ouvir uma música qual seria?" E por aí fora, até bater em todas as traves.
Já não sei porque voltas andei, hoje fui dar à brincadeira preferida da G. Se os homens só pudessem ter uma qualidade qual seria? E foi de rajada que me respondi: Coragem.
Coragem para nos amar. E a coragem só é precisa quando se tem medo.
Há assim três tipos de homens:
- Não têm medo e são os denominados filhos da p...
- Têm medo e são cobardes. São uns tristes. Merecem a nossa compaixão. E não o digo ironicamente, merecem mesmo.
- Têm medo e têm coragem proporcional. São o cavalo certo. Se apostarmos, o troféu é proporcional à responsabilidade. Por outras palavras: não convém armarmo-nos em parvas.
Há uns tempos escrevi: Um dia havemos todos nós de sair da idade emocional do liceu. Um dia.
Quando menos se espera, em quase todos os nossos encontros, lá vem ela: "situação limite... se só pudéssemos comer uma coisa até ao final da vida, o que escolhiam? Se só pudéssemos vestir uma cor qual seria? Se só pudéssemos ouvir uma música qual seria?" E por aí fora, até bater em todas as traves.
Já não sei porque voltas andei, hoje fui dar à brincadeira preferida da G. Se os homens só pudessem ter uma qualidade qual seria? E foi de rajada que me respondi: Coragem.
Coragem para nos amar. E a coragem só é precisa quando se tem medo.
Há assim três tipos de homens:
- Não têm medo e são os denominados filhos da p...
- Têm medo e são cobardes. São uns tristes. Merecem a nossa compaixão. E não o digo ironicamente, merecem mesmo.
- Têm medo e têm coragem proporcional. São o cavalo certo. Se apostarmos, o troféu é proporcional à responsabilidade. Por outras palavras: não convém armarmo-nos em parvas.
Há uns tempos escrevi: Um dia havemos todos nós de sair da idade emocional do liceu. Um dia.
o gosto dos outros 6
Não gosto de pés. Os pés dão-me cabo dos sapatos.
R., Lisboa, Outubro 2009
Nunca consegui perceber como é que uma mulher que adora, aliás, venera, sapatos, não gosta de pés. E é observá-la Chiado acima a colar pensos nos calcanhares comidos de inveja pelos sapatos comprados há menos de 24 horas... Claro que a culpa é dos pés, que não percebem os sapatos. Realmente as grandes paixões não se compadecem do corpinho.
R., Lisboa, Outubro 2009
Nunca consegui perceber como é que uma mulher que adora, aliás, venera, sapatos, não gosta de pés. E é observá-la Chiado acima a colar pensos nos calcanhares comidos de inveja pelos sapatos comprados há menos de 24 horas... Claro que a culpa é dos pés, que não percebem os sapatos. Realmente as grandes paixões não se compadecem do corpinho.
15 outubro 2009
e ele veio atrás de mim
Naquela noite as escadas, ainda estranhas porque são de uma casa alheia onde não me mexo bem, pareceram-me intermináveis. Foi como se estivesse a descer até a uma parte de mim, o meu piso térreo, onde tenho reservadas algumas coisas sem qualquer tipo de utilidade. A ideia é um dia arrumá-las todas.
Até aí tenho-me quase sempre passeado no piso superior, mais arejado, mais bonito, com pelo na venta, nariz empinado e uns sorrisos demolidores. E ainda um olhar que, dizem, é fodido. E esta é a primeira vez que escrevo semelhante palavra. Mas não foi eu quem a disse, apenas aqui transcrevo.
Naquela noite, dizia eu, lá tive de descer ao piso térreo, que felizmente tem uma porta de janelas largas, com saída para a rua. A noite estava quente, mas eu estava a ferver e o fresco soube-me como uma água tónica com muito gelo e limão em pleno deserto. Ainda um dia, aliás, hei-de fazer isso, e com um bocadinho de gin se o dia estiver a correr bem.
Naquela noite, desci as escadas com um desejo terreno de deixar cair umas lágrimas. No piso superior as lágrimas são quase sempre de crocodilo ou então ficam armazenadas em forma de dores de cabeça e peso nos olhos, como se fizéssemos uma barragem. E sabemos que as barragens não são coisas da natureza, são coisas dos homens inteligentes que se lembraram de as inventar.
As lágrimas que vale a pena à alma derramar são terrenas, viscerais, vêm dos intestinos feitos num nó pelo medo, do estômago contraído de ansiedade, da barriga prenha de emoções mal digeridas. As lágrimas são a força da verdade que às vezes não queremos ver, na forma da mentira, sombra companheira de toda a vida que nos ajuda a manter o perfil.
Naquela noite desci as escadas, fui à varanda e limpei o meu chão com algumas lágrimas. E ele veio atrás de mim. E então a barragem abriu as comportas. Ele veio nas suas quatro patas, com a sua baba nojenta e a tropeçar nas orelhas, coitado, e ajudou-me a lavar o meu chão. E quanto mais eu chorava mais claro eu via.
E depois voltei ao piso superior, com todos os meus trejeitos de sempre. Não engano ninguém. Mas também já não me engano a mim própria.
Obrigada G.
Ps - Este post é patrocinado por uma marca de toalhetes de um grande hipermercado.
Até aí tenho-me quase sempre passeado no piso superior, mais arejado, mais bonito, com pelo na venta, nariz empinado e uns sorrisos demolidores. E ainda um olhar que, dizem, é fodido. E esta é a primeira vez que escrevo semelhante palavra. Mas não foi eu quem a disse, apenas aqui transcrevo.
Naquela noite, dizia eu, lá tive de descer ao piso térreo, que felizmente tem uma porta de janelas largas, com saída para a rua. A noite estava quente, mas eu estava a ferver e o fresco soube-me como uma água tónica com muito gelo e limão em pleno deserto. Ainda um dia, aliás, hei-de fazer isso, e com um bocadinho de gin se o dia estiver a correr bem.
Naquela noite, desci as escadas com um desejo terreno de deixar cair umas lágrimas. No piso superior as lágrimas são quase sempre de crocodilo ou então ficam armazenadas em forma de dores de cabeça e peso nos olhos, como se fizéssemos uma barragem. E sabemos que as barragens não são coisas da natureza, são coisas dos homens inteligentes que se lembraram de as inventar.
As lágrimas que vale a pena à alma derramar são terrenas, viscerais, vêm dos intestinos feitos num nó pelo medo, do estômago contraído de ansiedade, da barriga prenha de emoções mal digeridas. As lágrimas são a força da verdade que às vezes não queremos ver, na forma da mentira, sombra companheira de toda a vida que nos ajuda a manter o perfil.
Naquela noite desci as escadas, fui à varanda e limpei o meu chão com algumas lágrimas. E ele veio atrás de mim. E então a barragem abriu as comportas. Ele veio nas suas quatro patas, com a sua baba nojenta e a tropeçar nas orelhas, coitado, e ajudou-me a lavar o meu chão. E quanto mais eu chorava mais claro eu via.
E depois voltei ao piso superior, com todos os meus trejeitos de sempre. Não engano ninguém. Mas também já não me engano a mim própria.
Obrigada G.
Ps - Este post é patrocinado por uma marca de toalhetes de um grande hipermercado.
13 outubro 2009
acho mesmo muita graça a estes rapazes
Boa gente. E boa gente é difícil de encontrar. Sobretudo na blogosfera. (Embora nos conheçamos de outros filmes, ou de outros códigos...).
Vejam:
Esse Bandido
The Sock Gap
Um abraço. Afectivo.
Vejam:
Esse Bandido
The Sock Gap
Um abraço. Afectivo.
Lisboa é uma gaja boa (poema retroactivo)
Lisboa é uma gaja boa...
... e vaidosa.
Cheia de curvas. Cheia de miradouros para se mirar, num jogo de espelhos narcisista.
O Tejo é um gajo vadio, com muita lábia e temperamental. Tão depressa parece um lago ou um rio muito certinho como o Sena ou o Tamisa, como logo se irrita e agita os pobres 'cacilheiros' que cobiçam a Cidade que protege.
Lisboa é também generosa, dá conversa a todos; Cristãos novos, mouros, celtas, viriatos, portucalenses...
Lisboa é uma bela actriz favorecida pela luz, que lhe disfarça as rugas. Não tem glamour nem griffe, mas tem muito mimo, feito beicinho, e uma falsa modéstia velhaca que lhe dá um certo charme.
Lisboa é mesmo uma gaja boa.
... e vaidosa.
Cheia de curvas. Cheia de miradouros para se mirar, num jogo de espelhos narcisista.
O Tejo é um gajo vadio, com muita lábia e temperamental. Tão depressa parece um lago ou um rio muito certinho como o Sena ou o Tamisa, como logo se irrita e agita os pobres 'cacilheiros' que cobiçam a Cidade que protege.
Lisboa é também generosa, dá conversa a todos; Cristãos novos, mouros, celtas, viriatos, portucalenses...
Lisboa é uma bela actriz favorecida pela luz, que lhe disfarça as rugas. Não tem glamour nem griffe, mas tem muito mimo, feito beicinho, e uma falsa modéstia velhaca que lhe dá um certo charme.
Lisboa é mesmo uma gaja boa.
11 outubro 2009
exercício com final feliz
Uma vez disseram-me que é quando estou mal que escrevo bem.
Talvez por isso me tenham ligado ontem a perguntar se ando muito feliz pois não tenho escrito no blogue.
Não sei exactamente o que significa "estar mal", porque no fundo nunca estou verdadeiramente mal ou bem. Ultimamente, sobretudo, procuro simplesmente estar. Que é o verbo mais fácil de aplicar.
Estar é como a história do ovo de Colombo, tão simples e, ao mesmo tempo, de tão ceguinhos que andamos, estupidamente inalcançável.
É um exercício difícil, mas muito compensador, este que ando a fazer desde há dois anos. Estar. Aliás, nos últimos três anos, além de falar pelos cotovelos, é mesmo o único exercício confessável que pratico.
O que é estar? Como se pratica?
Não é preciso nenhum equipamento especial nem pagar mensalidades absurdas num ginásio.
Nem corremos o risco de sofrer lesões e de transpirar que nem uns doidos.
Estar é precisamente o contrário disso tudo. É não correr à frente do tempo. É não levantar pesos que não valem o esforço. É não alongar situações penosas. É não contrair músculos com medo do que vão pensar de nós. É, enfim, não trabalhar partes do corpo desnecessariamente, a racionalizar as emoções.
Estar é difícil de praticar. É peciso treino diário. Às vezes até precisamos de um personal trainer para nos ajudar a não desistir. Porque praticar o estar implica resistirmos minuto a minuto a deixarmo-nos levar pelas emoções negativas e, até mesmo, pelas positivas.
A felicidade não pode despender disso. A boa forma significa que aceitemos o bom e o mau sem confundir isso com a nossa identidade.
Estamos lixados com o trabalho? Estamos descorçoados com o namorado(a)? Estamos f... com falta de dinheiro? Ok. Então estamos isso tudo. Aceitamos que existe infelicidade, tristeza, desilusão, o que quer que seja, dentro de nós. Mas isso não pode significar que nos assumamos como uma pessoa infeliz, triste, desiludida. As emoções não podem traduzir-se naquilo que somos enquanto pessoas. O que sentimos não é o que somos.
É de facto um exercício difcil de praticar. Eu disse.
Mas a boa forma que dia-a-dia vamos vendo ao espelho... ui, se compensa.
Da mesma maneira, com as emoções positivas. Euforia, encantamento, enamoramento, tesão, liberdade económica, sucesso profisissional. Tudo isto faz-nos sentir felizes, mas cuidado para não nos esticarmos na passadeira a julgar que vamos ganhar as próximas Olimpíadas e bater recordes.
São emoções. Habitam-nos por tempo indeterminado e intermitente.
Vale a pena deixar fluir a raiva, a ansiedade, a revolta, a alegria, o desejo, a tristeza, a paixão, tudo. É assim que tem de ser e temos de nos aguentar.
O que não vale a pena é confundir isso tudo com o que somos. Somos para além disso.
E já agora, é verdade que estou feliz por estes dias, e até um bocadinho tola. Mas a neura está sempre à porta e o mau feitio também.
Se calhar não tenho escrito no blogue porque ando em treino intensivo.
Talvez por isso me tenham ligado ontem a perguntar se ando muito feliz pois não tenho escrito no blogue.
Não sei exactamente o que significa "estar mal", porque no fundo nunca estou verdadeiramente mal ou bem. Ultimamente, sobretudo, procuro simplesmente estar. Que é o verbo mais fácil de aplicar.
Estar é como a história do ovo de Colombo, tão simples e, ao mesmo tempo, de tão ceguinhos que andamos, estupidamente inalcançável.
É um exercício difícil, mas muito compensador, este que ando a fazer desde há dois anos. Estar. Aliás, nos últimos três anos, além de falar pelos cotovelos, é mesmo o único exercício confessável que pratico.
O que é estar? Como se pratica?
Não é preciso nenhum equipamento especial nem pagar mensalidades absurdas num ginásio.
Nem corremos o risco de sofrer lesões e de transpirar que nem uns doidos.
Estar é precisamente o contrário disso tudo. É não correr à frente do tempo. É não levantar pesos que não valem o esforço. É não alongar situações penosas. É não contrair músculos com medo do que vão pensar de nós. É, enfim, não trabalhar partes do corpo desnecessariamente, a racionalizar as emoções.
Estar é difícil de praticar. É peciso treino diário. Às vezes até precisamos de um personal trainer para nos ajudar a não desistir. Porque praticar o estar implica resistirmos minuto a minuto a deixarmo-nos levar pelas emoções negativas e, até mesmo, pelas positivas.
A felicidade não pode despender disso. A boa forma significa que aceitemos o bom e o mau sem confundir isso com a nossa identidade.
Estamos lixados com o trabalho? Estamos descorçoados com o namorado(a)? Estamos f... com falta de dinheiro? Ok. Então estamos isso tudo. Aceitamos que existe infelicidade, tristeza, desilusão, o que quer que seja, dentro de nós. Mas isso não pode significar que nos assumamos como uma pessoa infeliz, triste, desiludida. As emoções não podem traduzir-se naquilo que somos enquanto pessoas. O que sentimos não é o que somos.
É de facto um exercício difcil de praticar. Eu disse.
Mas a boa forma que dia-a-dia vamos vendo ao espelho... ui, se compensa.
Da mesma maneira, com as emoções positivas. Euforia, encantamento, enamoramento, tesão, liberdade económica, sucesso profisissional. Tudo isto faz-nos sentir felizes, mas cuidado para não nos esticarmos na passadeira a julgar que vamos ganhar as próximas Olimpíadas e bater recordes.
São emoções. Habitam-nos por tempo indeterminado e intermitente.
Vale a pena deixar fluir a raiva, a ansiedade, a revolta, a alegria, o desejo, a tristeza, a paixão, tudo. É assim que tem de ser e temos de nos aguentar.
O que não vale a pena é confundir isso tudo com o que somos. Somos para além disso.
E já agora, é verdade que estou feliz por estes dias, e até um bocadinho tola. Mas a neura está sempre à porta e o mau feitio também.
Se calhar não tenho escrito no blogue porque ando em treino intensivo.
01 outubro 2009
mulher sem cão procura homem com coração
Se a minha vida fosse uma comédia romântica poderia ter este título: Mulher sem cão procura homem com coração... e sem cão.
Homens com cão? Não. Porquê? Porque não. Porque não não é resposta, diz a minha sobrinha Mafaldinha de três anos com o dedo no ar. Pois não é, mas para mim tem chegado e nunca ninguém me pediu explicações maiores sobre o tema.
Hoje resolvi eu mesma pedir-me explicações. E eu não consigo fugir a mim própria.
Ainda no outro dia olhava fascinada para o meu sobrinho de quatro patas, o Disco (um pug de sete quilos, com um focinho giro, giro, capaz de desarmar qualquer um), mas mantive, como sempre, a distância de segurança de pelo menos meio metro. A mãe não me perguntou porque é que eu não o metia no colo e o deixava lamber-me, como todos os outros tios fazem. Ela já sabe que eu não sou aquilo a que se chama uma dog person.
As dog persons são pessoas muito fora de mim, que eu jamais vou conseguir entender totalmente. No fundo admiro a sua capacidade de dádiva e de abnegação social. Ter um cão e devotar-lhe a atenção, o carinho e os cuidados que merece não é para qualquer um. E sinceramente sempre achei que não estou à altura.
Há várias teorias. Que tenho medo de uma mordidela, que fui atacada por cães em criança, que tenho a mania da limpeza e que confusão me fazem os pelos, as lambidelas e o cheiro, entre outras. E ainda o medo de sofrer mais uma perda. São todas verdade.
Mas, no essencial, a mais verdadeira é que ter um cão confronta-me com a fragilidade da vida.
Fico tensa quando percebo que aquele ser depende totalmente de nós, humanos, para sobreviver. Fico sem saber como lidar com a respiração, o palpitar das células debaixo do pelo, os rasgos de inteligênca, de lealdade e de total dependência que observo naqueles seres de quatro patas que levam muitas vezes as vidas dos seus donos à loucura.
Homens com cães foram sempre, portanto, um sinal de que os trabalhos são a dobrar.
Numa alegação perfeitamente egoísta e comodista da minha parte: um homem com cão é um homem que tem um grau de gestão dos seus afectos acima da minha capacidade. E num acto de contrição realmente digno do efeito inquisitório em causa própria: Um homem com cão tem menos tempo para mim.
Será da minha formação católica, ou a confissão é mesmo uma forma de libertação?
Pela quantidade de palavras acabadas em ão neste post, levo-me a crer que, por estes dias, ando com a palavra cão a soar com demasiada frequência na minha cabeça.
Não sou uma dog person. Não creio que alguma vez o seja. Mas sou uma pessoa que gosta de dog persons. Uma "dog persons lover", portanto. Servirá?
24 setembro 2009
a menina dos fósforos
Disseram-me que as pessoas dividem-se em dois tipos: os fósforos e as velas.
Disseram-me também para preferir a chama constante de uma vela, ao clarão fugaz de um fósforo.
Tenho um problema: gosto de fósforos e de velas.
O acto de acender um fósforo, aquele som do raspar, o cheiro, o poder de dar à luz com um simples gesto, ainda por cima baratinho, dá-me prazer. Não se brinca com o fogo, ralhavam os meus pais. E ainda me ralham. Porque eu gosto muito das pessoas fósforo. Incendeiam e incendeiam-me. É um problema.
A presença de uma vela encanta-me. À média luz pode não se ver a comida que se tem à mesa para jantar e confundirmos a realidade inebriados pelo "ambiance", como diz a F.
Mas as velas ardem até ao fim, como escreve Sándor Márai na sua obra-prima.
As pessoas que são velas são constantes. Têm sempre os mesmos pés, apesar de caminharem em direcções várias; têm sempre a mesma cara, mesmo que assumam diferentes faces perante as vidas que vivem; não escondem a alma, ainda que vivam incoerentes.
As pessoas que são velas têm sempre o coração do lado esquerdo, seja ele calhau ou diamante.
Gosto das pessoas fósforo e gosto das pessoas vela. Gosto de pensar que ardem umas com as outras e que todos os fósforos podem um dia acender a vela que há na gaveta lá de casa para quando falta a electricidade. Quando um dia lhes vier à lembrança a luz da alma.
Disseram-me também para preferir a chama constante de uma vela, ao clarão fugaz de um fósforo.
Tenho um problema: gosto de fósforos e de velas.
O acto de acender um fósforo, aquele som do raspar, o cheiro, o poder de dar à luz com um simples gesto, ainda por cima baratinho, dá-me prazer. Não se brinca com o fogo, ralhavam os meus pais. E ainda me ralham. Porque eu gosto muito das pessoas fósforo. Incendeiam e incendeiam-me. É um problema.
A presença de uma vela encanta-me. À média luz pode não se ver a comida que se tem à mesa para jantar e confundirmos a realidade inebriados pelo "ambiance", como diz a F.
Mas as velas ardem até ao fim, como escreve Sándor Márai na sua obra-prima.
As pessoas que são velas são constantes. Têm sempre os mesmos pés, apesar de caminharem em direcções várias; têm sempre a mesma cara, mesmo que assumam diferentes faces perante as vidas que vivem; não escondem a alma, ainda que vivam incoerentes.
As pessoas que são velas têm sempre o coração do lado esquerdo, seja ele calhau ou diamante.
Gosto das pessoas fósforo e gosto das pessoas vela. Gosto de pensar que ardem umas com as outras e que todos os fósforos podem um dia acender a vela que há na gaveta lá de casa para quando falta a electricidade. Quando um dia lhes vier à lembrança a luz da alma.
22 setembro 2009
fui à terra (e uma antevisão de Novembro próximo)
Nos últimos dias fiquei sem argumentos, sem falas, sem bons diálogos. Perdi o rasto à minha personagem. Fiquei sem guião. Quando muito fui figurante e experimentei que quando nem papel secundário temos, tudo o que se observa, escuta e agarra, sente-se mais, dói mais. E até se chora.
Fui à terra. Foi o que aconteceu.
Quando vou à terra, no caso a minha cidade B, Coimbra, durmo numa freguesia rural, que está para a cidade do Mondego como Carnide está para Lisboa. Ali faço sempre duas coisas: visito o cemitério e os poucos familiares que me restam.
Fico sempre em paz por falar com os mortos e abraçar os vivos. O que na minha família é quase a mesma coisa, pois a memória cultiva-se mais que o presente.
A festa da minha família não é o Natal, esse é sempre passado em sossego, sem grandes ajuntamentos familiares e sem grandes consumos calóricos. A família é tão pequena que se divide pelas casas e mini-famílias que dela degeneraram.
A festa da minha família é a festa dos mortos, mas nada tem de mórbido, de tão natural que é.
O feriado de 1 de Novembro, Dia de Todos os Santos, é o dia em que esquecemos as dietas, comemos enchidos, mista grelhada com carne de porco a dar nas vistas, esquecemos o colesterol e a hipertensão que matou a maioria, fazemos um relatório sumário do que andamos a fazer na vida e acaba sempre com muitas castanhas (cruas para mim, se fazem favor) e muita jurupiga e vinho tinto. A política vem sempre à baila, claro, e é nessa altura que me ponho a par dos programas pólis e dos novos projectos para Coimbra. Com o adro da igreja da paróquia ao mesmo nível do Mosteiro de Santa Clara a Velha, que a minha família não tem muita noção da dimensão das coisas.
O dia começa três dias antes com a encomenda dos arranjos florais para as campas. A decisão entre antúrios e orquídeas é sempre muito pesada e a minha mãe exige ver, religiosamente, o portfólio das floristas. Depois é uma agenda complicada de gerir. Horas para ir buscar os arranjos, horas para colocar os arranjos e acender as velas que alumiam as almas. As nossas e as dos nossos mortos. E as horas em que começamos a fazer as brasas para o churrasco. E depois lá vamos em romaria juntarmo-nos a todas as outras famílias que no cemitério se encontram para celebrar. É mesmo uma celebração, das melhores que conheço. Abraços, risos, lágrimas, e a inevitável passagem pelas campas dos outros mortos, de pessoas que nunca conheci mas que eram "raparigas e rapazes da minha idade" como dizem a minha mãe e os meus tios.
É assim desde os meus sete anos. No dia seguinte é o meu aniversário. Quis o destino que eu nascesse no Dia dos Fiéis Defuntos. Eu sempre achei muito bem. Tinha lógica pois então. Que outro dia para eu nascer?
Neste último fim-de-semana, pensei nisto tudo. À memória dos Novembros passados, conclui que a vida tem uma lógica que às vezes só a morte nos faz entender. Calei-me por isso. Falei com os mortos em silêncio, pois eles já sabem tudo, muito mais do que até ao último suspiro nós saberemos. O mistério da vida é isso.
Fui à terra. Fui ao estádio, vi os cachecóis pretos da Académica, cantei a Briosa, vi os cachecóis azuis do Belenenses, lembrei-me de Lisboa, cidade A. Lembrei-me que o futebol não é assim uma coisa tão má, como venho dizendo nos últimos tempos.
Fui às compras, sem comprar. Lembrei-me que comprar trapos e pechisbeque não é assim uma vingança tão boa, como durante anos servi fria.
Fui à terra e fiquei sossegada. Nem um gin "éfe érre á", nem nada. Nem uma saída à noite para ver os rapazes giros de Farmácia (eu sempre achei que os rapazes do curso de Farmácia eram os mais giros, não me perguntem porquê). Neste fim-de-semana estive velha para isso. Lembrei-me que sentir-me velha para certas coisas, às vezes, não é de tótó.
Fui à terra e fiquei sem guião. O mistério da vida é não decorar papéis. Basta lembrar.
Fui à terra. Foi o que aconteceu.
Quando vou à terra, no caso a minha cidade B, Coimbra, durmo numa freguesia rural, que está para a cidade do Mondego como Carnide está para Lisboa. Ali faço sempre duas coisas: visito o cemitério e os poucos familiares que me restam.
Fico sempre em paz por falar com os mortos e abraçar os vivos. O que na minha família é quase a mesma coisa, pois a memória cultiva-se mais que o presente.
A festa da minha família não é o Natal, esse é sempre passado em sossego, sem grandes ajuntamentos familiares e sem grandes consumos calóricos. A família é tão pequena que se divide pelas casas e mini-famílias que dela degeneraram.
A festa da minha família é a festa dos mortos, mas nada tem de mórbido, de tão natural que é.
O feriado de 1 de Novembro, Dia de Todos os Santos, é o dia em que esquecemos as dietas, comemos enchidos, mista grelhada com carne de porco a dar nas vistas, esquecemos o colesterol e a hipertensão que matou a maioria, fazemos um relatório sumário do que andamos a fazer na vida e acaba sempre com muitas castanhas (cruas para mim, se fazem favor) e muita jurupiga e vinho tinto. A política vem sempre à baila, claro, e é nessa altura que me ponho a par dos programas pólis e dos novos projectos para Coimbra. Com o adro da igreja da paróquia ao mesmo nível do Mosteiro de Santa Clara a Velha, que a minha família não tem muita noção da dimensão das coisas.
O dia começa três dias antes com a encomenda dos arranjos florais para as campas. A decisão entre antúrios e orquídeas é sempre muito pesada e a minha mãe exige ver, religiosamente, o portfólio das floristas. Depois é uma agenda complicada de gerir. Horas para ir buscar os arranjos, horas para colocar os arranjos e acender as velas que alumiam as almas. As nossas e as dos nossos mortos. E as horas em que começamos a fazer as brasas para o churrasco. E depois lá vamos em romaria juntarmo-nos a todas as outras famílias que no cemitério se encontram para celebrar. É mesmo uma celebração, das melhores que conheço. Abraços, risos, lágrimas, e a inevitável passagem pelas campas dos outros mortos, de pessoas que nunca conheci mas que eram "raparigas e rapazes da minha idade" como dizem a minha mãe e os meus tios.
É assim desde os meus sete anos. No dia seguinte é o meu aniversário. Quis o destino que eu nascesse no Dia dos Fiéis Defuntos. Eu sempre achei muito bem. Tinha lógica pois então. Que outro dia para eu nascer?
Neste último fim-de-semana, pensei nisto tudo. À memória dos Novembros passados, conclui que a vida tem uma lógica que às vezes só a morte nos faz entender. Calei-me por isso. Falei com os mortos em silêncio, pois eles já sabem tudo, muito mais do que até ao último suspiro nós saberemos. O mistério da vida é isso.
Fui à terra. Fui ao estádio, vi os cachecóis pretos da Académica, cantei a Briosa, vi os cachecóis azuis do Belenenses, lembrei-me de Lisboa, cidade A. Lembrei-me que o futebol não é assim uma coisa tão má, como venho dizendo nos últimos tempos.
Fui às compras, sem comprar. Lembrei-me que comprar trapos e pechisbeque não é assim uma vingança tão boa, como durante anos servi fria.
Fui à terra e fiquei sossegada. Nem um gin "éfe érre á", nem nada. Nem uma saída à noite para ver os rapazes giros de Farmácia (eu sempre achei que os rapazes do curso de Farmácia eram os mais giros, não me perguntem porquê). Neste fim-de-semana estive velha para isso. Lembrei-me que sentir-me velha para certas coisas, às vezes, não é de tótó.
Fui à terra e fiquei sem guião. O mistério da vida é não decorar papéis. Basta lembrar.
16 setembro 2009
o melhor ainda é não saber
Nos últimos dias chegaram a este blogue via pesquisa no Google várias pessoas que buscam a resposta para esta pergunta: "como deixar de gostar de alguém". A culpa é deste post que escrevi. Entristece-me que vão sem resposta, mas não posso ajudar. É que não sei mesmo, e eu até tenho a mania que sei umas coisas.
Mas o amor, e o Sitemeter disso me dá conta mais uma vez, é a mais velha preocupação do mundo. Transversal a todas as idades, opções sexuais, estatuto económico, situação geográfica. Alguém duvida?
Falo, obviamente, do amor carnal, do amor romântico, do amor entre dois seres com a potencialidade de troca de fluidos, porque só esse é comum. O amor no sentido genérico, extensivo aos laços familiares aos amigos, aos pobres e aos fracos, o amor genuíno e puro, sabemos, não interessa a todos... Mas o amor romântico? Até as bestas e os psicopatas o sentem, porque é hormonal, visceral. Dir-me-ão que isso já pode ser uma utilização abusiva da palavra amor. É verdade, mas quem o sente, seja lá quem for, não sabe isso nem quer saber.
Havia um bêbedo numa terrinha que conheço perdida no interior do distrito de Coimbra que andava sempre a dizer: "O importante é o amor". E ele tinha razão.
Venham as catástrofes naturais, as guerras, a crise económica, o desemprego, as eleições, a carreira, o carro topo de gama, a barraca da Cova da Moura, o duplex... O importante é... vamos fazer coro: o amor.
Estou convencida que mesmo nas mais duras provas a que a condição humana está sujeita, desde a cama do hospital, ao acampamento dos refugiados, há-de ser o amor que tece as conversas e as preocupações.
Imagino assim, por exemplo, uma conversa entre dois homens num porão de um barco cheio de imigrantes famintos de uma vida melhor, sujos, com frio, com fome... Um diz: "sabes há uma mulher...". Pronto. As conversas começam sempre com isto "há uma mulher" ou "há um homem" e as inevitáveis: não sei se gosta de mim, achas que gosta?, o que é que eu faço?, porque é que ela não gosta de mim, não percebo aquela mulher, não percebo aquele homem.
Ninguém percebe o amor. Essa é a verdade.
Uma vez escrevi esta dedicatória a uma pessoa que me desasossegou: "O melhor ainda é não saber. Nada." Escrevi-a num livro que se chama Um amor feliz, do David Mourão Ferreira. Um dos meus livros.
Ninguém sabe como deixar de gostar de alguém, mas toda a gente sabe como é gostar. Isso devia bastar. O resto vem por si. O melhor ainda é não saber. Nada.
Mas o amor, e o Sitemeter disso me dá conta mais uma vez, é a mais velha preocupação do mundo. Transversal a todas as idades, opções sexuais, estatuto económico, situação geográfica. Alguém duvida?
Falo, obviamente, do amor carnal, do amor romântico, do amor entre dois seres com a potencialidade de troca de fluidos, porque só esse é comum. O amor no sentido genérico, extensivo aos laços familiares aos amigos, aos pobres e aos fracos, o amor genuíno e puro, sabemos, não interessa a todos... Mas o amor romântico? Até as bestas e os psicopatas o sentem, porque é hormonal, visceral. Dir-me-ão que isso já pode ser uma utilização abusiva da palavra amor. É verdade, mas quem o sente, seja lá quem for, não sabe isso nem quer saber.
Havia um bêbedo numa terrinha que conheço perdida no interior do distrito de Coimbra que andava sempre a dizer: "O importante é o amor". E ele tinha razão.
Venham as catástrofes naturais, as guerras, a crise económica, o desemprego, as eleições, a carreira, o carro topo de gama, a barraca da Cova da Moura, o duplex... O importante é... vamos fazer coro: o amor.
Estou convencida que mesmo nas mais duras provas a que a condição humana está sujeita, desde a cama do hospital, ao acampamento dos refugiados, há-de ser o amor que tece as conversas e as preocupações.
Imagino assim, por exemplo, uma conversa entre dois homens num porão de um barco cheio de imigrantes famintos de uma vida melhor, sujos, com frio, com fome... Um diz: "sabes há uma mulher...". Pronto. As conversas começam sempre com isto "há uma mulher" ou "há um homem" e as inevitáveis: não sei se gosta de mim, achas que gosta?, o que é que eu faço?, porque é que ela não gosta de mim, não percebo aquela mulher, não percebo aquele homem.
Ninguém percebe o amor. Essa é a verdade.
Uma vez escrevi esta dedicatória a uma pessoa que me desasossegou: "O melhor ainda é não saber. Nada." Escrevi-a num livro que se chama Um amor feliz, do David Mourão Ferreira. Um dos meus livros.
Ninguém sabe como deixar de gostar de alguém, mas toda a gente sabe como é gostar. Isso devia bastar. O resto vem por si. O melhor ainda é não saber. Nada.
mais uma birra
Acabem com os restaurantes com música ao vivo já! Já não há sossego para jantar? Ontem tive de estar aos berros para ouvir e para me fazer ouvir. E o senhor ainda pedia para cantarmos, bailarmos e desfazermo-nos em palmas. Grrrrrrrrrrr Pelo menos baixem o volume, se fazem favor. Valeu, como sempre, a companhia.
14 setembro 2009
cidade sentida
“ Ó tá nevoêrro, ó robarem a Trróia ! “
"Má fea qum batelão da Secil !"
in dialecto sadino mais recente
Fonte: um setubalense nascido e criado (obrigada BJ)
Tenho com Setúbal uma relação parecida com a que tenho com Almada, sou-lhes filha por empréstimo - uma foi o meu distrito, outra o meu concelho - mas nunca as considerei cidades na verdadeira acepção sentida da palavra, talvez porque durante anos vivi sempre o mais à beirinha possível do Tejo, pulando diariamente para Lisboa.
Antes que comecem a insultar-me, calma; Setúbal e Almada são cidades dignas desse nome, com vida e cultura próprias, e com a maravilhosa particularidade de partilharem as praias da Costa Azul (mesmo que agora se diga que robarem Trrroia).
Mas as cidades são para ser vividas ou distantes. Ou se vivem intensamente, ou estão longe de nós e queremos ir visitá-las, cheirá-las e imaginar como seria lá morar. Ora, Setúbal e Almada sempre estiveram demasiado perto e eu nunca as vivi como minhas. Não foram nunca cidades pensadas por mim enquanto tal.
Setúbal foi sempre o sítio ao lado, desde criança uma passagem para o Portinho da Arrábida ou para Tróia, ou um spot gastronómico onde se come choco frrrito e bom peixe fresco. Setúbal é, no fundo, uma cidade aonde tenho ido sem a fazer cidade e sem me fazer a ela enquanto cidade.
Lisboa sempre esteve perto. Vivo dentro dela. Vivi por duas vezes antes desta em permanente competição com a Caparica. Mas nunca nem hoje a senti aqui. É um lugar que está para além da sua condição terrena e existe antes de tudo na minha cabeça.
"Má fea qum batelão da Secil !"
in dialecto sadino mais recente
Fonte: um setubalense nascido e criado (obrigada BJ)
Tenho com Setúbal uma relação parecida com a que tenho com Almada, sou-lhes filha por empréstimo - uma foi o meu distrito, outra o meu concelho - mas nunca as considerei cidades na verdadeira acepção sentida da palavra, talvez porque durante anos vivi sempre o mais à beirinha possível do Tejo, pulando diariamente para Lisboa.
Antes que comecem a insultar-me, calma; Setúbal e Almada são cidades dignas desse nome, com vida e cultura próprias, e com a maravilhosa particularidade de partilharem as praias da Costa Azul (mesmo que agora se diga que robarem Trrroia).
Mas as cidades são para ser vividas ou distantes. Ou se vivem intensamente, ou estão longe de nós e queremos ir visitá-las, cheirá-las e imaginar como seria lá morar. Ora, Setúbal e Almada sempre estiveram demasiado perto e eu nunca as vivi como minhas. Não foram nunca cidades pensadas por mim enquanto tal.
Setúbal foi sempre o sítio ao lado, desde criança uma passagem para o Portinho da Arrábida ou para Tróia, ou um spot gastronómico onde se come choco frrrito e bom peixe fresco. Setúbal é, no fundo, uma cidade aonde tenho ido sem a fazer cidade e sem me fazer a ela enquanto cidade.
Lisboa sempre esteve perto. Vivo dentro dela. Vivi por duas vezes antes desta em permanente competição com a Caparica. Mas nunca nem hoje a senti aqui. É um lugar que está para além da sua condição terrena e existe antes de tudo na minha cabeça.
Aquilo que verdadeiramente amamos temos de o sentir longe, mesmo que cheguemos lá em cinco minutos. Só a sensação do longe nos faz querer estar sempre à beira do salto, ainda que saibamos exactamente onde vamos cair.
10 setembro 2009
Lisboa hoje, só hoje
Hoje apetecia-me que a cidade dormisse cedo, no sofá, em frente à TV, num estado de imbecilidade e dormência, sem necessidade de servir copos, de sacudir-se ao som do DJ e da fusão mais recente, sem ganas de se colocar na primeira fila para a estreia da peça, do filme ao ar livre, da festa de inauguração daquele novo sítio com vista do miradouro. Hoje queria que Lisboa nem sequer se pudesse ver a si mesma, corresse as cortinas com desejo de privacidade, fosse católica com vergonha dos seus pecados, fosse púdica nos seus afectos, sem olhares, nem seduções, nem comida fora de horas. Hoje queria que Lisboa nem sequer comesse e fosse de castigo para a cama. Quem dorme janta. Hoje queria que Lisboa fosse uma aldeia entalada na serra, sem equipamentos nem agentes culturais. Hoje queria que Lisboa fosse feia, tão feia que nem interessante podia ser. E que recolhesse a roupa dos estendais, tapasse os azulejos com panos pretos e sofresse um apagão. E às escuras eu dormiria com ela.
puro prazer
Quando alguém ama sapatos desta maneira só pode ter os pés no chão.
A Lolita está de volta e mostra-nos o seu vício, o seu luxo e a sua paixão com o mundo a seus pés
A Lolita está de volta e mostra-nos o seu vício, o seu luxo e a sua paixão com o mundo a seus pés
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