04 agosto 2009

Duplo amor?

A ideia de ver o Joaquin Phoenix dividido entre o amor por duas mulheres foi o suficiente para me pôr a andar para a minha sala de cinema preferida em Lisboa. Bem o Joaquin era capaz de me pôr a andar para qualquer parte do mundo se me desse razões para isso... E também o Johnny Depp, e o Benicio del Toro, e o Clive Owen... Sofro de vários duplos amores, o que é uma tragédia nos tempos insubmissos que correm. Ou como me disseram há uns tempos "tu não resistes a um pedaço de mau caminho". O Joaquin interpreta em Duplo Amor (Two Lovers no original), do realizador James Gray, um homem perturbado e complexo (não são sempre os melhores?), dividido, leva-nos a crer o título em português, e o trailer (que dá uma ideia errada, não necessariamente melhor, do filme), entre o amor por duas mulheres, não sabendo qual delas há-de escolher. Mentira.
À medida que o filme avança, e avança ao ritmo da mente bipolar do protagonista, percebe-se que Two Lovers não é mais do que isso: existem duas mulheres com quem se envolve, mas pelas quais não nutre o mesmo sentimento e entre as quais nem sequer está dividido. A duplicidade do Joaquin (Leonard) reside na escolha que tem de fazer entre quem ama de verdade, ou por quem está mesmo apaixonado (Gwyneth Paltrow, que interpreta a Michele, emocionalmente desconfigurada e apaixonada por um homem casado), e quem o ama de verdade e é emocionalmente mais estável (a Sandra, personagem mais sem sal, interpretada por Vinessa Shaw). O duplo amor é apenas e só, e não é pouco, um duplo amor por si mesmo, reflectido na forma como Leonard terá de escolher entre a forma como quer amar-se e viver consigo mesmo até ao fim da sua vida mais próxima.
Fora este um filme mais complexo, mesmo à medida de um bipolar em convalescença frágil, e apresentar-se-iam mais mulheres no elenco (embora a mãe de Leonard, representada por uma muito envelhecida Isabella Rossellini, seja também mais um amor a que o personagem tem de corresponder e dar afectos), porque a forma como escolhemos viver o amor e a vida toda ela não passa apenas por duas opções. Vendo bem, são milhares as opções, cada uma delas escarrapachada nas pessoas com quem nos vamos relacionando. E não há uma opção igual à outra, tal como não há ninguém igual a ninguém.
E se a bipolaridade (e não é à toa que o argumento atribui esta doença ao protagonista) mais cedo ou mais tarde atravessa todos nós - nem que seja quando nos ataca nalguma etapa mais fragmentada da vida, em que entramos em piloto automático e passamos por cima das emoções negativas e saltamos imediatamente para o pólo oposto (onde vamos curtir, porque a dor dói e isso é muito chato para a nossa espécie) - o filme leva-nos a algumas conclusões:
- Não se ama da mesma maneira duas pessoas (ou mais). Isso é uma grande treta e é uma treta em que muitos caem. Aliás, o Leonard sabe desde logo, e nós também, que a Sandra dá-lhe até uma certa pica e algum conforto, mas a é a Michele quem personifica o desejo de fundir-se de corpo e alma.
- Não há escolhas erradas. O Joaquin acaba por ficar com a Sandra porque a Michele (Gwyneth) volta para o homem casado que entretanto deixa a mulher. Ou seja, não escolheu a Sandra, apenas escolheu uma forma de felicidade após a primeira hipótese não dar certo... Irrita um bocadinho, mas não se pode culpar o homem. Se alguém se devia queixar era a Sandra, a designada "sem sal", que no entanto também escolhe não ser a number one. Já uma vez escrevi que dos orgulhosos não rezam com sucesso as histórias de amor.
- A ideia de que o caminho mais difícil é sempre o mais apetecível não é assim tão óbvia e linear. Há quem desista à partida do inalcançável ou de que custa um bocadinho mais a conseguir. Digamos que o caminho difícil é apanágio dos complexos. E há, dêem-se graças a Deus, muita gente simples neste mundo, a quem não falta um pingo de inteligência. A anemia intelectual nem sempre produz escolhas simples e fáceis. Os bem nutridos de QI também não procuram necessariamente sempre o fruto mais proibido. Há escadas que não se lançam ao cimo da árvore mais alta do pomar nem com toda a inteligência do mundo. E há quem se limite a colher apenas os frutos que caem das árvores, mesmo que estejam podres.

Leonard, o bipolar em convalescença frágil deste filme, escolhe a melhor forma de amor por si que consegue vislumbrar no momento. Mas ao menos subiu à árvore. Que ninguém lhe puxe a escada e o deixe cair. Um dia ele próprio cai em si. Um dia todos caímos em nós.

1 comentário:

Sara disse...

Ufffa, até que enfim que leio algo escrito por alguém que percebeu o filme!
...quando o Leonard caír em si, surgirá outra "Michelle", e as Sandras da nossa vida são as personagens mais felizes, pois conseguem ter o seu "objecto" amado junto delas, mesmo que o mesmo mostre sinais de profundo desinteresse.
Egoístamente amo-te Leonard...infelismente amas-me Sandra...
(isto lembra-me algo!)
Parabéns pelo blog!