16 agosto 2009

a inveja

A inveja é um pecado feio. Tão feio que até nos consome a beleza. As poucas rugas que eu tenho (a vaidade é um pecado menos feio...) talvez as deva às energias mais negativas que consumo a invejar as pessoas que viajam. É um misto de admiração e de, não há como evitar, inveja pura. Senhor padre perdoai-me porque pequei.. mas bolas, eu também já não me confesso desde que fiz o Crisma e agora até parece mal ir lá para confessar isto. São os que vêm de Nova Iorque, e os que passam a vida em Espanha, e os que já foram "ao Brasil, Praia e Bissau" (esta cantiga não soa aqui bem, porque eu também já fui ao Brasil e à Praia de Cabo Verde...), mas não fui a "Angola, Moçambique, Goa e Macau", nem sequer conquistei grande coisa além fronteiras. Quando oiço falar em Itália, babo-me, se me contam coisas da América, então enlouqueço. E a Argentina? Bem, só de pensar em Buenos Aires estremeço, é que eu quero ir dançar tango e ver um casamento a sair da igreja à meia-noite. Eu até gostava era de casar à meia-noite, porque quando me casei ao meio-dia estava muito calor. E também quero ir à Austrália e ao Alaska, e a Praga, a Budapeste e a tudo o que há na Europa para ver. E quero voltar a Paris, e a Londres, e a Madrid e a Barcelona e a sei lá mais onde. Depois dizem-me que tenho de baixar a fasquia, sujeitar-me a hoteis menos estrelados, a comer hamburguers e enlatados, e a dormir de quando em vez numa tenda... E têm razão. Tenho muitos amigos que não são ricos, alguns até ganham menos do que eu, e fartam-se de viajar. Invejo o seu espírito. Invejo que não façam a figura triste que eu fiz em Londres quando esfomeada, e sem vontade nenhuma de ir ao MacDonald's pela enésima vez, me pespeguei contra o vidro de um restaurante com muito bom aspecto e ninguém me conseguia arrancar de lá. E eu, juro, estava disposta naquela noite a usar o cartão de crédito para pagar o jantar a toda a gente. Não me deixaram. A ditadura daquela viagem com poucas libras foi muito pedagógica e quando me lembro das nossas aventuras naquela Londres, que na altura estava mesmo muito cara, apetece-me beijar as minhas amigas e dizer-lhes que valeu a pena o hotel vão de escada... A WC era tão fria que todas queríamos tomar banho por último para ver se a divisão ficava mais quente.
Depois, deixem lá também desculpar-me com a educação, sempre vivi com um lema: mais vale um fim-de-semana no hotel, que um mês no campismo. Os meus pais, longe de serem ricos, sempre preferiram uma semana de férias a comer em restaurantes a um mês a ir à praça comprar peixe para o almoço. Ou seja, as férias tinham de significar conforto e, para a minha mãe, o luxo de não cozinhar e apreciar a boa gastronomia. E eu acho que eles fizeram bem. E como sempre vivemos perto da praia, havia férias o Verão inteiro. Mas os meus pais nunca foram viajantes, nem me ensinaram a sê-lo. Tenho de aprender sozinha a conjugar uns piqueniques no Central Park com um jantar no Per Se; ou uns enlatados, com os pés de molho numa fonte romana, com uma pasta al dente feita por um chef igualmente al dente. E haverá sempre uns trocos para un gin tónico e um vestidinho a dar ares que não sou assim tão pobre. E ando cá com a mania de casar-me em Buenos Aires. Sim, eu quero ser viajante. Vou poupar nas peneiras e nos euros para fazer umas milhas antes que arda no inferno.

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