25 agosto 2009

antes do anoitecer

"Por isso quando pareço não concordar comigo,
reparem bem para mim:
Se estava virado para a direita,
voltei-me agora para a esquerda,
mas sou sempre eu, assente sobre os mesmos pés."

Fernando Pessoa, Minha incoerência de mim


Quando fiz 15 anos recebi de presente de aniversário das minhas amigas o meu primeiro kit anti-rugas. Fui também a primeira de todas a usar protector solar, numa altura em que andava tudo a besuntar-se daquele creme de cenoura que vinha de Espanha num boião e dava "um bronze", achava-se, espectacular. Havia ainda umas loucas que se banhavam em coca-cola, e eu benzia-me. Lembro-me bem quando fui à farmácia comprar o meu primeiro protector solar "especial para a cara", a senhora olhou para mim intrigada e perguntou-me se eu tinha algum problema de pele. Acho que lhe respondi que não, mas que também não queria ter. Ainda guardo o cheiro e a textura, era da marca Copertone e tinha factor de protecção 15, o mais alto que havia. Fui sempre, portanto, uma rapariga preocupada com a saúde da minha pele e embora tenha vivido grande parte da minha vida perto de praias, acabei por receber, já depois dos trinta, o maior elogio que se pode ganhar de um dermatologista: A menina não parece a idade que tem e isso é porque se protege do Sol. Eu sabia. O C. dizia que eu chegava a provocar insolações ao Sol, pois os raios reflectiam na minha pele e voltavam a ele ainda mais fortes... Ainda hoje, se algum amigo se esqueceu do protector, ninguém quer o meu : Não Ana, com o teu a gente não se queima. Mas eu queimo-me só com um arzinho. Sorte. Se não fossem os protectores ficava mesmo preta. Por isso sempre cumpri com brio o horário recomendado pelos médicos: sair da praia ao meio-dia e só regressar depois das quatro. Linda menina. E o que eu tenho infernizado as pessoas à minha volta com esta doutrina. Fundamentalista, gótica, exagerada, chata (o mais vulgar), etc. tenho ouvido de tudo, mas sempre, é certo, de forma carinhosa, como se eu fosse a voz da consciência em época balnear. E até já consegui que algumas amigas começassem a usar ecrã total (adoro este nome) todos os dias. São elas que me vão bater quando lerem o que aqui vem:
Este Verão virei-me ao sol sem temor. E tenho estado na praia na hora proibida. Ana, vamos embora. Nããooooo quero ficar mais um bocadinho, está tão bom. E durmo e viro-me no espeto, entorpecida pelos raios que penetram com prazer nas minhas costas. Bolas, e se sabe bem. Só falta arranjarem-me um protector solar com sabor a molho de churrasco. Por isso hoje fiquei de molho em casa, à sombra. Acordei com a cabeça tola a dar para o outro lado da almofada, escondida de vergonha, a pensar: o Sol vingou-se. No corpo tenho o cheiro a alfazema duma pomada para pruridos e alergias que, segundo o farmacêutico, este ano anda com muita saída. E dói-me o corpo todo, ai ai. Arrasto-me da cama para o sofá, e do sofá para a varanda, e da varanda para o chão. Pois é Ana Cristina, afinal também pertences à maioria que enlouquece no Verão. Meu querido mês de Agosto, sou uma entre tantas. E sou, mesmo quando me viro do avesso, sempre eu. Amanhã volto ao meu horário normal. A beleza e a saúde, por esta ordem (a sinceridade suaviza o pecado da vaidade), agradecem.

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